Coluna da Vanessa Rozan: "Fake news da beleza" — Gama Revista
COLUNA

Vanessa Rozan

Fake news da beleza

Com a ajuda de filtros de Instagram, buscamos um padrão estético que nos foi ensinado como certo, aquele em que poucos se encaixam e que mantém uma maioria angustiada e consumindo

02 de Setembro de 2022

Existe a hashtag “sem filtro” para marcar fotos e vídeos publicados em sua rede social preferida. Sim, muita gente usa essa marcação para anunciar que as imagens são exatamente como a câmera as captou, sem edição. Mas daí existe a hashtag “sem filtro mesmo”, caso você esteja duvidando da veracidade do que se apresenta na sua tela, e vai que só dizer “sem filtro” não bastou. Agora existe uma lei no Reino Unido que proíbe influenciadores de usarem filtros em postagens publicitárias de produtos de beleza. Ufa.

Eu já falei aqui na última coluna sobre os impactos do que nosso cérebro vê e os desdobramentos psicológicos de como lidamos com a realidade versus a vida perfeita das redes sociais. Estava fazendo uma análise dos tutoriais de maquiagem e posts patrocinados de beleza do meu feed e pasmem, me dei conta que só tem peles jovens, pálpebras esticadas com muito espaço, sobrancelhas nas alturas e lábios cheios. Se eu quiser copiar essa maquiagem que estão dando o passo a passo ali, certamente vou ter que seguir as parcas migalhas de pão pra tentar fazer igual em um rosto com poros, linhas, pálpebra coberta e lábios finos (é sobre isso, e tá tudo bem). Se eu não tiver uma mínima habilidade, o resultado não chega nem perto. Mas vendo a moça do vídeo, parece fantástico.

Eu compro, eu aplico, não fica igual, a culpa é de quem? Só pode ser minha com esse rosto cheio de realidade, né? Eu que lute? Não é bem assim.

Sim, anúncios de beleza e influenciadores que anunciam produtos de maquiagem beleza não devem usar filtros de Instagram. O caso das máscaras de cílios já deu muito quiprocó com fotos em que as modelos usavam cílios postiços ou tinham seus cílios modificados em pós-edição e os anúncios dessas marcas tiveram que ser retirados de circulação. Por isso vale a pena entender que essa doideira de modificação não começou nos influenciadores, a gente tem que encontrar esse fio para desenrolar onde chegamos e pior: para entender para onde estamos indo. Com o aumento de procedimentos estéticos não-invasivos, o aumento de cirurgias plásticas entre adolescentes e o número alarmante de suicídios entre jovens, o assunto era sobre beleza, mas parece que agora o jogo virou e eu nem cheguei nos temas da baixa autoestima e da autoimagem distorcida.

Influenciadores que anunciam produtos de maquiagem não devem usar filtros de Instagram

Tudo começou com a fixação de um padrão de beleza que lá pelos anos 1960 tomou um rumo mais ou menos assim: corpo branco e jovem + magro quase andrógeno. Alô, Twiggy? Daí para frente foi só queda livre com o auge do padrão heroin chic nos anos 90, nessa mesma década surge a ideia de um corpo como plataforma midiática. Em 97 chega a Coca-Cola Light aqui no Brasil, quanta casualidade, veja só. E por falar no Brasil, a “beleza brasileira” que representou todas as mulheres nos anos 2000 foi quem? Gisele Bündchen, o resumo da nossa pluralidade. Nos anos 2010, a geração fitness e na sequência a família Kardashian construindo um corpo como se fosse massa de modelar.

Certo, pra não me perder, lembra que eu estava traçando uma linha do tempo para entender por que a “culpa” da edição de imagem não é da blogueira ou da influenciadora. Esses corpos que citei rapidamente eram – e são – corpos valorizados pela indústria da moda e da beleza. Só eles tinham espaço de visibilidade nas mídias.

E você, quando teve a chance de ser sua própria mídia, quis colocar o seu corpo lá in natura, sem nenhuma ediçãozinha? Até tivemos exemplos de resistência que seguem falando sobre a importância de corpos reais, mas a maioria vai em busca de uma fórmula que nos foi ensinada como a correta — aquele padrão de beleza em que poucos se encaixam e que mantém uma maioria angustiada e consumindo. Quando as primeiras blogueiras passam a ser veículos de mídia, onde você acha que elas foram espelhar sua imagem e semelhança? Bingo. Naqueles que são os corpos dos que “venceram” nessa cultura visual.

Agora com essa nova lei, é preciso que as imagens editadas sejam anunciadas. Otimo, a ideia toda de seguir alguém que te inspira é que se cria uma relação de confiança e de certa verdade. Isso seria quase 100% se o Instagram não tivesse deixado de ser uma rede social para virar uma enorme plataforma de vendas. E se é venda, assim como o Conar já regularizou que as publicidades sejam demarcadas, é preciso que a edição de imagem seja também escancarada. Porque se for para seguir recebendo um monte de pele sem poros e corpos de modelos de 18 anos sugerindo um ideal para mulheres de 38, eu poderia continuar folheando só o que as revistas femininas e marcas de moda vinham fazendo até 5 anos atrás. Aliás, o que algumas ainda seguem fazendo, editando tudo sem nos avisar.

Vanessa Rozan é maquiadora, apresentadora de TV e curadora de beleza e bem-estar. É proprietária do Liceu de Maquiagem, uma escola e academia de maquiagem e beleza profissional, aberta há 13 anos. Fez mestrado em comunicação e semiótica pela Puc-SP, onde estudou o corpo da mulher no Instagram.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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