Por que as canções pop estão ficando mais tristes?
Hits se tornaram mais lentos e em tonalidades menores — percebidas como melancólicas
As canções populares atuais são mais felizes ou mais tristes do que as de 50 anos atrás? A disponibilidade de grandes bancos de dados online e a relativa facilidade de processá-los fez com que respostas precisas e informativas para questões como essa fossem possíveis nos últimos anos. Uma maneira direta de medir o conteúdo sentimental é contar quantas palavras sobre emoções compõem um texto. Quantas vezes palavras sobre sentimentos negativos como “dor”, “ódio” ou “tristeza” são usadas? Quantas vezes palavras associadas à emoções positivas como “amor”, “prazer” ou “felicidade” foram escritas? Por mais simples que pareça, o método funciona muito bem, dadas certas condições — quanto mais longo o texto disponível, melhor a estimativa do sentimento e é uma das técnicas possíveis para a “análise de sentimentos”. Ela é normalmente aplicada em posts de redes sociais ou em mensagens políticas contemporâneas, mas também pode ser aplicada em uma escala maior de tempo, como décadas de reportagens publicadas em jornais ou séculos de obras literárias.
A mesma técnica pode ser aplicada a letras de canções. Em nossa análise, usamos dois bancos de dados diferentes. Um continha músicas que estavam na parada de fim de ano da “Billboard Hot 100” [lista das 100 músicas mais tocadas na semana]. Essas são canções que alcançaram um grande sucesso, ao menos nos Estados Unidos, de “(I Can’t Get No) Satisfaction” dos The Rolling Stones (em 1965, o primeiro ano computado) até “Uptown Funk” do Mark Ronson (de 2015, o último ano considerado). O segundo banco de dados foi baseado nas letras voluntariamente fornecidas ao site Musixmatch. Com esses dados, analisamos mais de 150 mil canções de língua inglesa. Isso inclui exemplos mundiais, o que garante uma amostra mais ampla e diversa. Encontramos as mesmas tendências do banco de dados da “Billboard”, o que indica que isso pode ser generalizado para além dos hits.
No total, sempre existem mais palavras associadas a emoções positivas do que a negativas. É a chamada síndrome de Poliana
A música pop de língua inglesa se tornou mais negativa. O uso de palavras tristes aumentou em mais de um terço. Vamos considerar o exemplo do banco de dados da “Billboard”. Se assumirmos uma média de 300 palavras por canção, todo ano há 30 mil palavras nas letras no top 100 hits. Em 1965, cerca de 450 dessas palavras eram associadas a emoções negativas, enquanto em 2015 esse número estava acima de 700. Por outro lado, palavras associadas a sentimentos felizes diminuíram no mesmo período. Elas foram mais de 1.750 palavras nas músicas de 1965, e apenas 1.150 em 2015. Repare que, no total, sempre existem mais palavras associadas a emoções positivas do que a negativas. Essa é uma característica universal da língua humana, conhecida como síndrome de Poliana (da incrivelmente otimista protagonista do romance homônimo), e não se espera que isso mude: o que importa, no entanto, é a direção das tendências.
O efeito pode ser visto até mesmo quando olhamos para palavras únicas: o uso de “amor”, por exemplo, praticamente caiu pela metade em 50 anos, de cerca de 400 aparições para 200. Por outro lado, a palavra “ódio”, que em 1990 não era sequer mencionada em uma canção do top 100, atualmente é usada de 20 a 30 vezes a cada ano.
Nossos resultados estão de acordo com outras análises independentes do humor das músicas, algumas das quais usaram metodologias completamente diferentes e focaram em outras características das canções. Por exemplo, pesquisadores analisaram um banco de dados de 500 mil músicas lançadas no Reino Unido entre 1985 e 2015 e acharam uma queda similar no que definiram como “felicidade” e “vivacidade”, junto com um leve aumento na “tristeza”. A classificação é resultado de análise de características acústicas básicas, como andamento ou tonalidade, feita por algoritmos. As cem canções top da “Billboard” também foram examinadas: hits se tornaram mais lentos e tonalidades menores, que são percebidas como mais melancólicas que as maiores, se tornaram mais frequentes. Você pode perceber isso ao ouvir qualquer exemplo no YouTube de músicas que foram digitalmente alteradas de escalas maiores para uma escala menor, ou o contrário, e perceber como elas passam a soar: uma inquietante e alegre versão de “Losing My Religion” do REM alterada para tonalidades maiores (1991) reaparece periodicamente nas redes sociais.
O que está acontecendo? Descobrir e descrever tendências é importante e prazeroso, mas também precisamos tentar entendê-las e explicá-las. Em outras palavras, quanto maior a big data, maior a teoria. Uma delas é a da evolução cultural. Como o nome sugere, a teoria estipula que a cultura evolui ao longo do tempo, seguindo parcialmente os princípios da seleção natural darwiniana – se houve variação, seleção e reprodução, pode-se esperar que traços culturais mais bem-sucedidos se fixem na população, enquanto outros são extintos.
Por cultura, entendemos qualquer traço que seja transmitido de maneira social e não genética. Exemplos incluem a linguagem que se fala a depender de onde se nasce, as receitas preparadas e a música escutada. Esses traços são transmitidos socialmente, uma vez que um indivíduo os aprende por meio da observação e da imitação de outros. Como contraste, a cor do cabelo e do olho, por exemplo, são geneticamente transmitidos de pais para filhos.
O fato de que diversos comportamentos são aprendidos socialmente não é grande novidade. Entretanto, para o aprendizado social ser adaptável – isso é, para aumentar a probabilidade do indivíduo sobreviver para se reproduzir – o aprendizado tem de ser seletivo. É melhor aprender como cozinhar com um adulto que já cozinha bem do que aprender com irmãos que ainda estão aprendendo a cozinhar. Copiar o comportamento de indivíduos bem-sucedidos é chamado de “viés de transmissão de sucesso” nos jargões da evolução cultural. De forma similar, diversos outros vieses de aprendizados podem fazer parte do jogo, como o viés de conformidade, de prestígio ou de conteúdo. Vieses de aprendizados foram usados para compreender uma multitude de traços culturais tanto em populações humanas como em populações animais não humanas ao longo dos anos, e estão se provando um caminho frutífero para entender padrões culturais complexos. Para tentar entender o motivo pelo quais as letras das músicas aumentaram em negatividade e diminuíram em positividade ao longo dos anos, aplicamos a teoria da evolução cultural para ver se tal padrão pode ser explicado pelos vieses de aprendizado social.
Informações negativas aparentam ser lembradas e transmitidas mais do que informações neutras ou positivas
Checamos o viés do sucesso ao analisar se as canções de um ano ficaram com letras mais tristes quando o top 10 dos anos anteriores contavam com letras negativas: em outras palavras, os compositores foram predominantemente influenciados pelo conteúdo de músicas antigas de sucesso? De forma similar, o viés do prestígio foi testado checando se as canções de artistas celebrados dos últimos anos também tinham letras mais negativas. Artistas de sucesso foram definidos como aqueles que apareceram nas tabelas da Billboard um número desproporcional de vezes, como a Madonna, que tem 36 canções na Billboard Hot 100. O viés de conteúdo foi resultado de análise do ranqueamento de músicas com letras mais negativas na lista da Billboard. Se elas fossem bem, isso sugere que há algo no conteúdo negativo das letras que faz com que as canções se tornem mais atrativas e, consequentemente, mais populares.
Apesar de termos achados poucas evidências para viéses de sucesso e prestígio operando nos bancos de dados, o viés de conteúdo foi o efeito mais confiável dos três ao explicar o aumento das letras negativas. Isso é consistente com outros achados na evolução cultural, onde informações negativas aparentam ser lembradas e transmitidas mais do que informações neutras ou positivas. Apesar disso, também descobrimos que a inclusão da “transmissão imparcial” em nossos modelos analíticos reduziu muito o aparecimento de efeitos de viés de sucesso e prestígio, e parecia ter o maior peso na explicação dos padrões.
Por transmissão imparcial podemos entender algo semelhante à deriva genética, em que traços parecem flutuar para uma fixação por meio de flutuações aleatórias, e na aparente ausência de qualquer pressão de seleção. Esse processo consegue explicar a popularidade de outros traços culturais, desde adornos da cerâmica neolítica a nomes contemporâneos de bebês e raças de cachorros. É importante ressaltar que encontrar evidência de transmissão imparcial não significa que os padrões não têm explicação ou são predominantemente aleatórios, mas que provavelmente existem uma multitude de processos que explicam o padrão, e que nenhum desses processos que foram checados são fortes o suficiente para dominar a explicação.
Mudanças sociais podem ter contribuído deixando mais fácil expressar sentimentos negativos
O aumento das letras negativas em canções populares de língua inglesa é um fenômeno fascinante, e mostramos que isso pode acontecer por conta de uma preferência generalizada por conteúdo negativo, além de outras causas ainda a serem descobertas. Dada essa preferência, o que precisa ser explicado é a razão pela qual letras de canções pop anteriores aos anos 1980 eram mais positivas do que as de hoje. Pode ser que uma indústria de música mais centralizada tinha um controle maior sobre as músicas que eram produzidas e vendidas. Um efeito similar pode ter sido causado pela difusão de canais de distribuição mais personalizados (de fitas cassete vazias ao algoritmo “Feito Para Você” do Spotify). E outras mudanças sociais mais abrangentes podem ter contribuído, deixando mais fácil expressar sentimentos negativos. Todas essas hipóteses podem ser testadas usando dados descritos aqui como ponto de partida. Perceber que há mais trabalho a ser feito para melhor entender o padrão é sempre um bom sinal na ciência. Isso deixa espaço para aperfeiçoamento de teorias, melhora de métodos de análise, ou até uma volta para as prancheta com perguntas diferentes.
*Publicado originalmente em Aeon, em inglês. Tradução por: Daniel Vila Nova