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Reportagem

Planejar a carreira em um mundo imprevisível

Da pandemia à crise econômica, a geração atual enfrenta grandes desafios no delicado momento de adentrar o mercado de trabalho

Leonardo Neiva 20 de Fevereiro de 2022

Planejar a carreira em um mundo imprevisível

Leonardo Neiva 20 de Fevereiro de 2022
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Da pandemia à crise econômica, a geração atual enfrenta grandes desafios no delicado momento de adentrar o mercado de trabalho

Desde dezembro de 2021, Isabela Campos está desempregada. Recém-formada em relações internacionais pela Universidade Federal do ABC, a jovem de 23 anos concluiu no final do ano passado um estágio numa associação científica. “Mas era algo muito especifico, então não tinha como ser efetivada e continuar por lá”, conta. Sabendo sobre isso de antemão, ela vinha desde outubro, quando apresentou seu TCC, à caça de vagas na sua área. Até o momento, sem sucesso.

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Ela chegou a ser aprovada em um processo seletivo para o cargo de consultora de língua inglesa, mas seu nome acabou entrando para o banco de talentos da empresa, e Campos não vê grandes perspectivas de ser contratada. “Fico no LinkedIn todos os dias, e muitas empresas nem me respondem. Tenho uma entrevista para semana que vem, mas tem sido uma ansiedade que vem crescendo.” No início, a busca foi dificultada pela preferência da jovem por atuar na área de segurança alimentar, devido a uma paixão pelo lado político e social da gastronomia, que vem da adolescência. No entanto, devido à falta de oportunidades na área, ela optou por atuar com o tema apenas como voluntária e ampliar o escopo da busca por emprego.

“Em 2020, quando a pandemia começou, eu tinha meu estágio e meu foco era fazer o TCC, me formar e permanecer saudável nesse período. Mas terminei meu TCC sabendo que meu contrato estava acabando. Aí de repente eu me formei, acabou meu contrato… e agora?”

Essa preocupação não é exclusiva de Isabela. Um estudo recente da consultoria global Bain & Company apontou que 61% dos entrevistados com menos de 35 anos estavam preocupados com finanças, segurança no emprego e com o temor de não alcançar seus objetivos profissionais nos próximos dez anos. Esses fatores seriam resultado da desaceleração econômica, aumento da desigualdade e dificuldade de acesso à habitação, intensificados em meio à pandemia, de acordo com o relatório da instituição. Uma outra pesquisa, esta feita em agosto de 2021 pelo IBGE, apontou que 31% dos jovens de 18 a 24 anos estavam sem emprego no período. Um número bem mais alto que o do desemprego entre a população economicamente ativa, que era então de 14,7%.

Além disso, um estudo realizado pelo LinkedIn mostrou que 70% dos jovens profissionais brasileiros acreditam que o trabalho em home office pode ter impacto em sua carreira pela falta de contato direto com profissionais mais experientes, que seria essencial para o aprendizado. 72% deles também consideram que a pandemia prejudicou a aquisição de habilidades comportamentais importantes, fruto da convivência no modelo presencial.

O professor de economia da FGV e diretor do FGV Social, Marcelo Neri, no entanto, lembra que a situação já era bastante ruim para os jovens que estavam entrando no mercado de trabalho mesmo antes da pandemia, com a crise econômica iniciada no país em 2014. Segundo ele, que coordenou pesquisas sobre o mercado de trabalho no Brasil, o número de jovens desempregados ou fora tanto do mercado quanto de instituições educacionais — conhecidos como “nem-nem”, pois nem trabalham nem estudam — chegou a bater recordes entre 2020 e 2021, mas já está voltando às cifras anteriores à pandemia.

“A pandemia acelerou algumas tendências anteriores, como a digitalização, o que favorece jovens com formação e que têm mais facilidade de lidar com tecnologia”, aponta o economista. Por outro lado, acentua as desigualdades e os desafios para aqueles de baixa renda, com menos qualificações. “Tem uma questão de perdedores e ganhadores. Existem jovens bem posicionados nesse movimento digital, que falam inglês e hoje [com o avanço do home office] podem até trabalhar do Brasil para uma empresa americana, possibilidade que antes não era comum. Mas os jovens da base, que não têm qualificação, vêm perdendo.”

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Traçando planos em areia movediça

Planejar a carreira nunca foi tarefa fácil. A própria Isabela Campos admite ter tido dificuldade para pensar nos rumos de sua vida profissional a médio e longo prazo mesmo antes da pandemia. Mas o impacto que o isolamento teve em sua vivência no trabalho e na universidade adicionou uma camada extra de complexidade à equação.

“Um ano atrás, antes de todo mundo ter tomado as vacinas, era um assunto recorrente entre os meus colegas: como planejar o que fazer se a gente não faz ideia do que vai acontecer?“, revela a jovem. “Até pensando em um mestrado, caso eu queira estudar fora, será que vou conseguir? Se for por aqui mesmo, as aulas presenciais já vão ter voltado? Eu terminei meu curso sem nunca mais ter tido aulas presenciais.”

Apesar de uma deterioração generalizada do trabalho, a professora da Faculdade de Economia e Administração de Ribeirão Preto (FEARP-USP), Adriana Caldana, não enxerga uma dificuldade extra apenas na busca pelo primeiro emprego. “A piora no mercado é para todos, porque está ruim para todas as categorias. Como sempre foi mais difícil encontrar o primeiro emprego, continua sendo.”

Na comparação com as gerações anteriores, de nossos pais e avós, ela percebe uma precarização em curso, capitaneada pela perda de empregos com carteira assinada e neologismos como a “pejotização” dos profissionais — quando o funcionário vira pessoa jurídica — e a “uberização” da economia. “Isso acontece não só para os mais jovens, mas para toda uma geração que deve ficar para sempre à margem do processo de trabalho, em empregos temporários, terceirizados ou numa dessas plataformas que não dão nenhum tipo de segurança ao profissional.”

Nesse contexto, a qualificação profissional acaba sendo totalmente despejada sobre os ombros dos indivíduos, como se não fossem necessárias políticas públicas para incentivar a formação e facilitar a entrada no mercado, afirma a professora. Portanto, fazer planos de carreira, ainda mais em um período marcado pela imprevisibilidade, se torna um desafio e tanto.

Nos últimos anos, os jovens já estavam desenvolvendo um senso de não pertencimento, uma impressão de estar perdidos em um universo dominado pelas redes sociais e o excesso de informações, diz Caldana. Esses jovens desalentados, que hoje se formam sem uma previsão do que vai acontecer, acabam tendo a visão de que o futuro não é mais via trabalho ou emprego. “Está difícil se recolocar via emprego formal. A médio e longo prazo, a tendência é de muitos desenvolverem um quadro depressivo e de ansiedade em relação ao que vem por aí.”

No caso de Isabela, por exemplo, a ansiedade foi disparar mesmo lá no segundo semestre de 2021. “Já faz algum tempo que fico pensando no que será de mim em 2022.”

O de cima sobe e o de baixo desce

Além de um mundo mais complexo e cheio de incertezas, a pandemia também trouxe uma série de precariedades para os jovens de baixa renda, que não conseguem nem buscar trabalho nem trabalhar ou estudar remotamente, lembra Neri, da FGV. O fenômeno, segundo o pesquisador, deve acentuar a desigualdade entre os jovens que tiveram a chance de estudar e têm bom conhecimento das novas tecnologias e os que não possuem acesso à educação de qualidade, que devem acabar ficando para trás no mercado. “É um mundo mais arriscado, onde existem perdedores e vencedores dentro de uma mesma geração.”

E, nesse novo mundo, o vencedor é quem leva tudo, afirma o economista. “Esses jovens que conseguem se descolar do resto porque fizeram universidade ou uma pós representam também um dado de desigualdade crescente.”

A carioca Carla Souza, 27, trabalhou durante sete anos em uma loja de materiais de construção, como forma de pagar as contas até conseguir entrar no curso de engenharia de produção. Além da dificuldade para financiar a faculdade, ela também teve um desafio de tempo. “Não foi fácil, porque você trabalha de segunda a segunda e é muito cansativo. Sem falar que eu trabalhava à noite. Foi só quando consegui mudar para o turno da manhã que consegui entrar na universidade.”

Depois de enviar inúmeros currículos e superar o obstáculo da timidez durante as entrevistas de emprego, ela finalmente conseguiu um estágio na Companhia Siderúrgica Nacional. Mas o período de trabalho terminou no final do ano passado e Carla já está novamente em busca de uma vaga. “As vagas de trainee são bem mais concorridas que as de estágio. Minha maior dificuldade no momento é que a maioria pede inglês avançado, e eu só tenho o nível básico.”

Apesar de vivermos um tempo de incertezas, algumas coisas em relação à carreira ainda dá para planejar. O especialista em recursos humanos Eduardo Felix, da EduAction, ressalta que esse plano deve ser sempre pensado de acordo com as condições financeiras e sociais de cada um. “Quem não nasceu em berço de ouro vai entrar numa faculdade e trabalhar no shopping para conseguir pagar. Pode até receber mais, mas vai perder a oportunidade de fazer um estágio”, afirma. Seu principal conselho, nesse caso, é se envolver ativamente em atividades acadêmicas, desde uma iniciação científica até uma vaga numa empresa júnior. “Se surgir uma oportunidade, agarre.” Isso porque, segundo o especialista, hoje um diploma de graduação não é mais um diferencial, já que vem surgindo no cenário brasileiro uma infinidade de instituições de ensino, muitas delas de baixa qualidade. Ah, Felix lembra também, e ter um bom inglês atualmente é requisito básico.

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O mapa do tesouro

De acordo com Felix, falta às instituições do ensino básico brasileiro preparar os jovens para fazer a escolha da profissão e um planejamento de carreira. “É importante que a pessoa que quer entrar no mercado faça uma pesquisa ampla do que está em alta”, destaca o especialista. “Existe no Brasil, especialmente para quem não tem dinheiro, a cultura do doutor. Quem quer fazer uma graduação acaba indo para áreas tradicionais, como a engenharia, que já estão muito inchadas.”

Outra dica é começar desde cedo a criar uma rede de relações profissionais. Isso porque, segundo Felix, muitas empresas priorizam e até premiam o recrutamento por meio de indicação. “Foi uma falha dentro da minha própria carreira. Muitos dos meus colegas que fizeram isso despontaram, e eu fui na contramão. Ainda bem que não demorei muito para acordar, mas muita gente continua dormindo.”

Para quem está começando, basta fazer o dever de casa, mapeando as oportunidades do mercado de trabalho e correndo atrás da melhor qualificação possível, declara Caldana, da USP. “Não é difícil só para os mais jovens, mas de forma geral. Encontrar um propósito, ter uma formação adequada, se preparar com as competências requeridas para as profissões que estão surgindo não é tarefa fácil. A gente não aprende na escola essas mudanças no mundo do trabalho.” Portanto, um empurrãozinho na forma de políticas públicas, educacionais ou ações empresariais também é bem-vindo. Na opinião da professora, os jovens carecem de mais orientações para entender o mercado, quais qualificações são necessárias para alcançar um determinado objetivo e como consegui-las.

E isso tudo com o agravante de vivermos em meio a uma crise financeira e a uma pandemia que custa a passar. “Agora vão dar dois anos de pandemia. Quando parece que as coisas vão melhorar, elas pioram de novo”, lamenta Isabela Campos, que, apesar de já estar formada, não chegou a ter nem cerimônia de colação de grau, evento que ela esperava compartilhar com os colegas. “É um processo que já envolve muita ansiedade, essa coisa de não saber o que vai ser da minha vida agora. Existem muitas possibilidades e, ao mesmo tempo, é tão difícil começar.”