Ansiedade e aquecimento global: o que é a ecoansiedade? — Gama Revista
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Meio Ambiente

A ansiedade é verde

O aquecimento global tem impactado o planeta e deixado adultos (e, sobretudo, crianças) angustiados e doentes. Em tempos de pandemia e incerteza, como lidar com a ecoansiedade?

Willian Vieira 26 de Abril de 2020

A ansiedade é verde

Willian Vieira 26 de Abril de 2020
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O aquecimento global tem impactado o planeta e deixado adultos (e, sobretudo, crianças) angustiados e doentes. Em tempos de pandemia e incerteza, como lidar com a ecoansiedade?

Eram outros tempos. Ainda não havia o Covid-19 e os incêndios na Amazônia ocupavam as manchetes e redes sociais, quando o menino de 5 anos chegou chorando na Escola da Árvore, em Brasília. Estava angustiado com o futuro da floresta. “Ele dizia que todo mundo ia morrer e as árvores iam acabar”, lembra Natália Campos, coordenadora da escola, que defende a educação ambiental desde o berço. “Ele estava muito, muito ansioso.”

Outras crianças expressaram a mesma angústia e propuseram uma saída: “escrever uma carta para o presidente”. Como o mandatário que hoje faz pouco caso da pandemia era o mesmo que então ignorava o desmatamento, pais, crianças e professores foram ao Congresso entregar as cartas dos pequenos aos deputados. “Não podemos mentir e dizer que está tudo bem”, diz Natália. A solução foi transformar a ansiedade em ação cívica.

A cena de pessoas aglomeradas para lutar pelo futuro do planeta parece parte de um mundo distante. Mas ocorreu há seis meses. Hoje, com a atenção mundial voltada ao número de mortos pelo COVID-19 e de desempregados na iminente recessão da economia, outra nuvem de ansiedade paira sobre o futuro da humanidade.

Mas enquanto a poluição diminuiu aqui e ali e golfinhos nadam nos canais de Veneza (graças à paralisia da economia mundial), a destruição da Amazônia só aumenta, assim como o medo de novas pandemias, que podem surgir com a destruição crescente de habitats naturais.

No Reino Unido, a CPA (Climate Psychology Alliance) passou a ser “inundada” de pedidos de ajuda terapêutica. “Mais até do que os adultos, jovens e crianças conscientes do tema estão desesperados ao ver que a ansiedade em torno do vírus tem afastado as preocupações climáticas das manchetes”, diz à Gama a psicoterapeuta Caroline Hickman, professora da Universidade Bath e membro da CPA.

“Eles julgam que o aquecimento global é um problema bem maior, no médio e longo prazo, e que o vírus é uma ameaça de curto prazo”, diz Hickman, que é especialista em ecoansiedade em crianças e adolescentes. Segundo estudo da Universidade Harvard, a poluição do ar aumenta a incidência de mortes de coronavírus.

Na foto de abertura, Aurea, menina quilombola de Oriximina-PA. Na foto acima, Cecília, da Escola da Árvore, em Brasília

Ecoansiedade: o termo que veio para ficar

O assunto é tão premente que a APA (Associação de Psiquiatria Americana), que classifica como “ecoansiedade” o “medo crônico da ruína ambiental”, publicou um relatório em 2017 com um alerta: ainda que as pessoas tendam a pensar mais nos impactos físicos ligados a desastres naturais ou fenômenos mais paulatinos, como os impactos endocrinológicos dos agrotóxicos, a questão psicológica não pode ser ignorada.

Afinal, quando nos deparamos com prognósticos trágicos, tendemos a comportamentos extremos: ou ignoramos a realidade, fugindo da distopia anunciada; ou mergulhamos nela, consumindo informações compulsivamente, num vórtex de ansiedade. E o impacto sobre as crianças é maior: elas desenvolvem sintomas por temer “perder o controle sobre um futuro incerto”, diz a psiquiatra Elizabeth Haase, coautora do relatório da APA.

Quando nos deparamos com prognósticos trágicos, tendemos a comportamentos extremos: ou ignoramos a realidade; ou mergulhamos nela, consumindo informações compulsivamente, num vórtex de ansiedade

O resultado são comportamentos obsessivo-compulsivos, como catar qualquer lixo que encontre no caminho da escola, ou repassar sem cessar cenários assustadores antes de dormir. Hickman conta que um de seus pacientes, jovem adolescente, disse estar “suicida” por não saber mais como lidar com o desespero que sentia diante da falta de urgência nas ações para salvar a Terra. Como lidar de forma tão displicente com a morte do planeta?

“As evidências científicas indicam que estamos num caminho assustador e fora de controle, tomado por incerteza quanto à velocidade e à escala das mudanças que podem tornar o planeta difícil de habitar”, explica Hickman. “Estar ciente dessa situação e não saber se os seres humanos são capazes ou mesmo se estão dispostos a tomar ações efetivas traz ansiedade, desespero, culpa, vergonha, impotência… a ecoansiedade faz todo sentido.”

A ecoansiedade traduzida nos rabiscos de revolta de uma menina na Embaixada Australiana, em Londres, em janeiro de 2020

Crianças , diz, têm maior empatia pelo sofrimento de outras espécies. “Mais conscientes das injustiças em torno da exploração humana do planeta, elas incorporam esse sofrimento em nosso nome.” Mas como disse a ativistaGreta Thunberg, 16, os adultos esperam dela esperança. “Mas não quero que você tenha esperança, quero que você entre em pânico.”

“A gente vai morrer”

“As pessoas vão morrer de calor!”, disse a menina de nove anos. Outra concluiu que a poluição vai deixar o ar tóxico: “aí a gente vai morrer”. As crianças de Natal (RN) fizeram parte da pesquisa de mestrado da psicóloga infantil Alexandra de Farias. O objetivo era analisar como reagiam aos impactos ambientais em falas e imagens. Os desenhos trazem sóis gigantescos queimando as pessoas, chaminés vomitando fumaça.

“Quanto mais informações as crianças têm, maior a percepção de risco”, explica Eveline Favero, professora de psicologia na Universidade Estadual do Oeste do Paraná e especialista em psicologia infantil e ambiental. Quando elas percebem que estão diretamente ligadas ao futuro do planeta, “isso gera ansiedade e medo”. Quem não leu ou ouviu que as abelhas, fundamentais para a produção de alimentos, estão desaparecendo?

Somos bombardeados de todo lado: filmes, livros e séries sobre futuros distópicos se juntam às notícias na imprensa e redes sociais – um arcabouço que serve de gatilho à ansiedade

Somos bombardeados de todo lado: filmes, livros e séries sobre futuros distópicos (vide “Years and Years”) se juntam às notícias na imprensa e redes sociais – um arcabouço que serve de gatilho à ansiedade, diz à Gama a psicóloga Susan Clayton, autora do relatório da APA. Não se alimentar compulsivamente no manancial trágico ajuda. Mas é preciso se desconectar das tecnologias para isso.

Em seu livro “iGen”, Jean Twenge diz que a geração de jovens atual, moldada pelo smartphone, está “à mercê da pior crise de saúde mental em décadas” graças aos smartphones. São crianças e jovens que “descobrem” a natureza pela tela do celular, e logo a certeza do apocalipse iminente – e sem filtro. Outros estudos revelaram que as crianças britânicas “não são adequadamente conectadas com a natureza”.

Ayanna Lee, 17, é diretora executiva do @ycatw (Youth Climate Action Team)
" Os que estão no poder deixaram de reconhecer seus privilégios na questão da injustiça climática. Eu entrei nesse movimento porque estava cansada de não ser reconhecida e estou totalmente pronta para fazer barulho", disse ao @xryouthus

O que fazer para não fritar no apocalipse

O primeiro passo para evitar a ecoansiedade, dizem os especialistas, é aproveitar o que ainda temos de natureza e se conectar com ela. Uma “dose” de duas horas por semana já melhora a saúde física e mental. “Crianças com maior contato com natureza têm maior satisfação ambiental”, afirma Favero.

Em uma pesquisa com crianças de 11 e 12 anos, a professora concluiu que elas se preocupam mais com os riscos ao planeta, como o fim das florestas, do que com questões locais, que as afetam diretamente. “E como não têm controle sobre o que é global, ficam ansiosas.”

Para os pequenos, “o que mais contribui para evitar a ansiedade é incentivar comportamentos pró-ambientais” que aumentam a “percepção de controle”. Crianças que se envolvem na redução do lixo ou na economia de energia e de água se sentem mais conectadas com o planeta, e, logo, menos ansiosas.

Para os pequenos, o que mais contribui para evitar a ansiedade é incentivar comportamentos pró-ambientais que aumentam a percepção de controle

Outro passo é buscar ajuda médica. Temer o futuro apocalíptico não é algo novo, mas os pesquisadores têm decifrado melhor como nossa psique responde. O termo ecoansiedade traduz essa mudança na ciência – e ela só não é maior, diz o psiquiatra americano Thomas Doherty à Gama, porque “a maioria não é ensinada a trazer tais questões à tona numa consulta”.

Um médico pode ajudar, explica, “identificando quais questões funcionam como gatilho para suas vulnerabilidades ou preocupações pessoais”. A partir daí, ele desenvolve um plano para ajudar o paciente a ter um senso de controle da situação.

Nos cartazes, a mensagem é clara: "Está ficando quente aqui"; "A mãe Terra está chorando, tome conta dela"; "Salve as árvores"; "Até onde você quer ir?"

Seria o coronavírus uma resposta da natureza?

“A natureza está nos mandando uma mensagem”, disse no mês passado Inger Andersen, chefe de meio-ambiente da ONU. Seria um alerta da Terra aos humanos. “A erosão dos espaços selvagens têm nos colocado perto demais de animais e plantas que guardam doenças que podem nos contaminar”, afirmou. O mesmo valeria para o aquecimento global, e sua relação com os incêndios de 2019 e as pragas atuais de gafanhotos, disse. “Se não cuidarmos da natureza, não poderemos cuidar de nós mesmos.”

E assim as pessoas começam a juntar os pontos. “A relação entre o coronavírus e o aquecimento global é interessante”, diz Hickman. “Ambos ameaçam nossa sobrevivência, mas a questão climática põe em risco outras espécies e o próprio ecossistema em que vivemos.” Em tese, devemos encontrar um tratamento para lidar com o vírus em breve, diz. “Mas, a não ser que ações urgentes sejam postas em prática, será tarde para lidar com o aquecimento.”

A pandemia fez diversos países cortarem financiamento para lidar com o aquecimento global. A própria OMS deixou o tema de lado até a pandemia ser controlada

Segundo a ONU, temos 11 anos para tal. Um estudo publicado na Nature dias atrás sugere ainda menos tempo. Enquanto isso, a pandemia fez diversos países cortarem financiamento para lidar com o aquecimento global. A própria OMS deixou o tema de lado até a pandemia ser controlada. Um cenário que, só de ler a respeito, já causa angústia.

“Com o meio ambiente sofrendo cada vez mais e o impacto disso cada vez mais palpável, a ecoansiedade só deve aumentar”, diz Hickman. “E o coronavírus deve piorar a situação: as pessoas terão de lidar com várias perdas, com a consciência de sua vulnerabilidade, com a perda de antigas certezas, fora a desilusão em relação à capacidade dos governos em agir.” A ansiedade, cada vez mais, está em toda parte. E ela é verde.