“A moda sustentável pode significar uma tomada de consciência muito maior”
A comunicadora e apresentadora do GNT Giovanna Nader lança livro e fala a Gama sobre consumo consciente, crise climática e autoconhecimento
“Uma vez que abrimos os olhos para as questões ambientais e sociais que nos cercam, não dá para voltar atrás e tentar viver como se elas não existissem”. É assim que Giovanna Nader abre o livro “Com que roupa? Guia prático de moda sustentável” (Companhia das Letras, 2021), que extrapola o universo da moda para chegar em discussões mais profundas sobre o futuro da humanidade.
Formada em administração pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), em São Paulo (SP), a mineira de 35 anos começou a abrir os olhos para a moda sustentável depois de uma pós-graduação em branding em Barcelona. “Ali entendi muito sobre a dinâmica da indústria do fast fashion [o trabalho de conclusão de curso foi sobre o grupo Inditex, dono da Zara e de outras marcas] e também me encantei com o mundo dos brechós”, conta ela. Em 2013, Giovanna criou o Projeto Gaveta, movimento de troca de roupas de segunda mão que, desde então, já organizou 13 eventos e teve dez mil participantes – funcionando agora em formato online.
Foi com o nascimento da filha, em 2018, que questionamentos maiores vieram à tona: “Comecei a pensar como seria o futuro dela em um planeta cheio de lixo e um mar sem peixe”. Acompanhando as discussões sobre sustentabilidade cada vez mais latentes, Giovanna passou a abordar o assunto no seu perfil no Instagram – hoje com 102 mil seguidores. Em 2019, foi convidada para apresentar o programa “Se Essa Roupa Fosse Minha”, do GNT, sobre estilo e moda consciente – uma nova temporada está prevista para o fim deste ano. Em 2020, lançou o podcast O Tempo Virou, no qual ela recebe convidados para falar de temas como ecofeminismo, economia regenerativa e agroecologia urbana. “O livro veio de uma vontade de compilar tudo o que eu vinha aprendendo”.
Com projeto gráfico da designer Julia Masagão e ilustrações da artista Paula Hemm, o livro é dividido em duas partes. Na primeira, Giovanna dá um panorama geral da urgência da situação e relaciona a crise climática com a indústria da moda, setor responsável por pelo menos 8% das emissões de gases do efeito estufa. Daí, explica o que seria uma cadeia sustentável, desde a matéria-prima até a mão de obra, e desmistifica argumentos do senso comum (“A moda sustentável não é cara. No consumo colaborativo, por exemplo, estamos falando de troca, empréstimo e aluguel de roupas, e não de compra”). Ela também mostra como procurar saber se uma marca é realmente ética e a analisar a etiqueta de composição de uma peça.
A segunda parte trata de questões mais práticas, com dicas para evitar o consumismo sem propósito, aproveitar brechós e organizar um armário compacto e funcional. Ela ensina a cuidar das roupas de modo a conservá-las melhor, explica como fazer um descarte apropriado e fala de customização e ajustes caseiros. Por todo livro, são indicadas pessoas, lojas e empresas alinhadas com esses propósitos.
Em entrevista a Gama, ela fala sobre a intenção com o livro e o trabalho como ativista.
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G |Foi intencional usar a moda para abordar a insustentabilidade do modelo econômico atual?
Giovanna Nader |Sim. Eu comecei a escrever o livro em 2019 como uma ideia mais superficial; era para ser um manual de como compor um guarda-roupa mais consciente. Com a pandemia, ele foi virando outra coisa, porque comecei a me questionar: por que falar de moda sustentável nesse momento? Até onde isso pode ser válido? Mas aí percebi que, como aconteceu na minha vida, a moda poderia ser um fio condutor para uma tomada de consciência muito maior. Porque é um assunto leve do qual todo mundo faz parte de algum jeito. Ao mesmo tempo, a indústria da moda é o segundo mercado mais escravagista do mundo. Então, não tem como falar de moda consciente sem questionar o sistema todo.
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G |Como você enxerga a discussão do consumo consciente dentro do paradigma individual-coletivo? Nossa ação individual tem efeito levando em conta os problemas estruturais muito maiores?
GN |É claro que a gente precisa culpar o sistema; o consumidor é a última ponta da cadeia. Mas eu acredito que a mudança começa dentro e que ações individuais trazem questionamentos sobre o que está acontecendo no todo. Se eu começo a pensar no uso de água na minha casa, por exemplo, posso talvez abrir os olhos para o fato de que é a indústria agropecuária que mais gasta água no planeta. E apoiar causas nos faz bem – quando eu escolho levar minha roupa na costureira do bairro em vez de jogar fora e comprar outra no shopping, estou criando outro tipo de conexão com as pessoas e com o mundo. Nos ver como pequenos agentes transformadores – quem sabe incentivando a abolir o copinho de plástico na empresa em que a gente trabalha ou começando uma horta no nosso bairro – nos ajuda a sair da inércia e dá um senso de missão para a vida. Além disso, temos algum poder como consumidores. Se há marcas falando sobre sustentabilidade, mesmo que seja greenwashing, significa que a nossa voz está sendo ouvida. Precisamos cultivar a consciência individual a fim de nos fortalecer enquanto sociedade e, assim, agir para cobrar políticos, governos e empresas.
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G |Em 2020, o CEO da Renner anunciou que a marca não é fast fashion e que está apostando na economia circular na cadeia de produção. Como você vê esses movimentos das grandes marcas?
GN |Acho que a gente precisa ser muito crítico em relação a elas, já que ainda estamos dentro de um sistema regido pelo lucro. A indústria da moda emprega 60 milhões de pessoas pelo mundo – 80% mulheres – e esse meio precisa de valorização e justiça social. Essas grandes empresas têm muita responsabilidade e também muito dinheiro para investir em inovação e tecnologia. Muitas delas estão realmente em momentos de transição, repensando a produção e a geração de resíduos. Elas ainda têm um longo caminho, que pode ser bonito e próspero dependendo do que farão com a capacidade que têm para mudar as coisas.
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G |No livro, você fala de sair da lógica da moda pautada no consumo e nas tendências para aderir a uma que de fato seja um meio de expressão pessoal. Como fazer isso?
GN |É um exercício de autoconhecimento, de primeiro olhar para dentro e depois se inspirar com o que você vê fora. Encontrar nosso estilo é importante para afirmarmos nossa identidade e termos confiança diante da vida. Eu sempre falo de fazer “people watching”, porque, para mim, a moda é o que está nas ruas – eu não tenho ideia do que acontece no desfile da Gucci. É mais sobre ver alguém no metrô e reparar como a pessoa amarrou o lenço, como passou o delineador. No livro, eu ensino a montar um “armário-cápsula”, cuja premissa é manter no guarda-roupa só o que você realmente usa. E aí entender como essas roupas te representam e como você se sente quando as veste. O olhar tem que ser direcionado para o que faz sentido para você, e não para o que o sistema e as tendências te empurram.
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G |O que você acha que falta para que esses questionamentos cheguem a camadas mais amplas da sociedade no Brasil?
GN |Me pergunto isso todos os dias, porque muitas vezes ainda sinto que falo com uma bolha. É sempre preciso ter em mente à consciência de classe. O livro é uma tentativa de deixar o assunto mais acessível e democrático e tirar o glamour do papo da sustentabilidade. Eu trago que a moda sustentável pode ser de graça, por exemplo, por meio de troca e empréstimo de roupas entre as pessoas. Isso sempre existiu nas periferias, mas por necessidade. É uma questão de entender que isso atravessa todo mundo. Educação é a base para tomar consciência e se ver como parte desse processo de transformação.
- Com que roupa? Guia prático de moda sustentável
- Giovanna Nader
- Companhia das Letras
- 200 páginas
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