O futuro dos desfiles de moda
No mês em que estariam acontecendo os desfiles resort no hemisfério norte, Gama ouviu alguns profissionais do mercado para entender como devem ser as temporadas de moda daqui para frente
Quando o novo coronavírus começou a se espalhar pela Europa, em fevereiro de 2020, as semanas de moda internacionais estavam em pleno andamento com a temporada de outono/inverno. Milão e Paris foram as mais afetadas, com parte das marcas seguindo com suas apresentações presenciais — entre elas Dolce & Gabbana e Louis Vuitton –, e outras, como a Giorgio Armani, optando por desfiles sem público, transmitidos ao vivo pela internet. Em paralelo, diversos compradores, influenciadores e jornalistas foram obrigados a cancelar suas participações na temporada, resultado do fechamento de fronteiras pelo agravamento do surto da covid-19.
À medida que a pandemia avançou em 2020, acompanhamos a reformulação de diversos eventos, como o resort internacional — desfiles menores, que acontecem por volta de maio, um pouco antes do verão europeu, e que teria apresentações no Japão, em Capri e Nova York –, o São Paulo Fashion Week, previsto para o final de abril, e a Casa de Criadores, que viria na sequencia. “Rapidamente percebemos que teríamos que migrar para o formato digital e começamos a nos preparar, pesquisar e trocar ideias”, conta André Hidalgo, organizador da Casa de Criadores. Logo, essa se tornou a saída para as semanas de moda continuarem existindo nesse período pandêmico, e todos os eventos anunciaram próximas edições 100% digitais.
O mercado de luxo está adotando novas e grandiosas abordagens para apresentar suas coleções no formato digital, sem perder o engajamento com o público
A mudança bagunçou um pouco o calendário de moda, especialmente no Brasil, onde muitos estilistas tiveram que adaptar coleções de inverno que já estavam em desenvolvimento para algo mais próximo da meia estação, afinal tanto o SPFW quanto a Casa De Criadores acontecem em novembro, época de mostrar o verão. E tanto as marcas, como os eventos em si, precisaram rapidamente repensar suas apresentações para se adequar a essa nova ordem.
“Chamei o artista plástico Dudx para pensarmos juntos nessa mudança de linguagem e a primeira coisa que concluímos é que teríamos que transformar o evento em uma plataforma”, diz André Hidalgo sobre a 47º edição da Casa de Criadores, que aconteceu entre 23 e 27 de novembro. “Creio que encontramos o nosso próprio caminho. Ao mesmo tempo em que mantivemos algumas características originais, como as apresentações sequenciais em cada dia, buscamos novas e diferentes abordagens, do fashion film ao 3D, o que deu uma dinâmica muito bacana e tornou o evento mais atrativo para quem assistiu.”
Lá fora, as principais marcas do mercado de luxo também estão adotando novas e grandiosas abordagens para apresentar suas coleções nesse novo formato, sem perder o engajamento com o público. A Saint Laurent Paris, por exemplo, gravou seu desfile de verão 2021 nas dunas de um deserto (foto que abre esta matéria), enquanto a Louis Vuitton elegeu o Louvre, um dos museus mais movimentados do mundo, mas agora fechado por conta da pandemia, para transmitir ao vivo o seu desfile feminino de inverno 2021 (foto acima). Já a Chanel viajou ao espetacular Carrières de Lumières, na Provence, para filmar seu desfile de Resort 2022, divulgado mundialmente no último dia 5.
“O digital permite realizar coisas incríveis que no físico são quase impossíveis, então dá para sonhar e viajar mais”, reflete a estilista Juliana Jabour, que acredita que no futuro os dois formatos irão coexistir. “O desfile presencial traz uma emoção que o digital não atinge e todos sentem falta disso, mas o digital também veio para ficar, até porque é uma maneira de democratizar a moda, dando acesso a milhões de pessoas que não teriam como conseguir um convite físico”, completa Jabour.
O desfile presencial traz uma emoção que o digital não atinge, mas o digital veio para ficar, é também uma maneira de democratizar a moda
“Nunca direi que o digital pode substituir o físico, principalmente em desfiles, porque acho que nada supre essa experiência de ver a roupa se movimentando na passarela, em um ambiente pensado especialmente para isso, mas também é preciso aprender com o momento”, diz Rafaella Caniello, estilista à frente da Neriage. “Temos que usá-lo a favor da moda no sentido de incluir mais pessoas, trazendo conteúdos diversificados não só da própria marca, mas envolvendo todo o universo do cliente que queremos nos comunicar. É preciso ser mais assertivo, com qualidade e não quantidade.”
Para Isaac Silva, o mergulho no digital foi uma novidade, mas era algo que o estilista já vinha desejando incorporar em sua marca homônima. “A adaptação veio de uma maneira orgânica, pois o momento pede cuidados, então, em vez de um fashion film, optei por uma linguagem documental para apresentar a coleção Iemanjá e JACIRA , inspirada em uma tia avó”, explica Silva, que vê o digital complementando o físico no futuro das semanas de moda. “A melhor forma de se apresentar uma coleção é por meiodo desfile, então acredito que ele precise existir para que o digital aconteça”, diz. “Agora estamos nos adaptando, mas sabendo que em algum momento voltaremos ao toque, e quem trabalha com moda precisa tocar, experimentar, vestir… viver.”
Mas e a moda de rua, como fica?
Com o boom dos influenciadores e das redes sociais, o street style, ou as combinações que nascem das ruas, já vinha chamando atenção nas semanas de moda — às vezes até mais do que as passarelas. E se as marcas conseguiram substituir seus desfiles por clipes e filmes, como fazer com um lado que envolve exatamente o que não podemos fazer no momento: sair na rua.
“O street realmente não está acontecendo, mas acho que a valorização do designer e estar vestido com a roupa dele no dia e na hora do desfile continua sendo importante e bacana para seguirmos apoiando as marcas”, opina o influenciador Gabriel Gontijo. Com quase 95 mil seguidores no Instagram, ele também precisou se adaptar ao momento atual. “Continuei produzindo com as marcas, me vestindo sozinho em casa, me fotografando e combinando com cliques anteriores feitos por fotógrafos para subir na hora do desfile o look da grife que está sendo vestido”, explica.
Aproveitar tudo o que as redes sociais podem oferecer também é uma estratégia de Gontijo. “No ano passado eu preferi tirar um tempo off para assimilar tudo que estava acontecendo, mas depois passei a explorar meus limites dentro de casa e todas as ferramentas, como os vídeos no Tik Tok, Reels, Stories, IGTV, carrossel de fotos no insta e até mesmo o Twitter com formatos de texto”, diz. “Acho que estar munido e saber criar de acordo com a linguagem de cada plataforma é o tipo de exercício que os influencers precisam praticar para se manterem engajados com as comunidades de seguidores.”
“Sempre que posto looks das minhas clientes, minhas roupas ou detalhes do que estou usando no meu perfil, gera mais buzz”, conta o stylist e influenciador Caio Sobral, que trabalha com nomes como nomes como Vanessa Rozan, Sarah Oliveira e Vivi Orth. “Se nós, criadores de conteúdo de moda, soubermos usar o street style como referência, junto das ferramentas disponíveis, ele ainda pode sobreviver”.
Se nós, criadores de conteúdo de moda, soubermos usar a moda de rua como referência, junto das ferramentas disponíveis, ela ainda pode sobreviver
“Nada vai substituir o street style das temporadas de moda, ainda mais que tínhamos uma liberdade maior. Hoje a gente se arruma para conferir os desfiles em casa, deitada no sofá, de pijama”, opina a stylist, diretora criativa e influenciadora Larissa Cunegundes. “O que faço para tentar mudar isso é me arrumar como se eu estivesse realmente indo para um desfile”, revela. “Outra alternativa que observei é a criação de conteúdo em formato de vídeo rápido, mostrando o look que você usaria nesses eventos. Achei interessante e seguro”.
Atualmente Larissa prefere trazer informação para a sua comunidade de 118 mil seguidores (apenas no Instagram), em vez do look do dia. “Já passamos dessa fase, então busco lembrar a minha audiência sobre a importância de usar máscaras e de se cuidar, além de ser sempre transparente nos conteúdos que produzo.” Para ela, ainda levará um tempo para as semanas de moda retomarem o calendário de desfiles presenciais. “Acredito que vai demorar de dois a três anos para ‘voltar ao normal’, e vamos continuar com protocolos básicos de máscara e álcool em gel por um bom tempo, então estamos aos poucos nos adaptando a essa nova jornada de vida”, arremata.