Sociedade

Por que refrigerantes devem custar mais caro?

Aumento de tributos para bebidas açucaradas é a medida mais eficaz para moderar o consumo e impactar positivamente a saúde pública

Tereza Novaes 27 de Outubro de 2025

Hoje em dia já é sabido que os refrigerantes fazem mal à saúde. No entanto, são tão difundidos que estão disponíveis até em cantinas de escolas privadas do país. A conscientização sobre os malefícios para a saúde dessas bebidas cresce, mas o impacto que elas produzem ainda é enorme. Seu consumo está associado a um risco maior de doenças crônicas e gera um gasto para o SUS de quase R$ 3 bilhões por ano, usados no tratamento de obesidade e sobrepeso, diabetes tipo 2, câncer ou complicações cardíacas, renais, cerebrovasculares, respiratórias e osteomusculares, segundo pesquisa do Instituto de Efectividad Clinica y Sanitária (IECS), de Buenos Aires.

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Refrigerantes, néctares, refrescos e chás prontos são bebidas açucaradas, classificadas como alimentos ultraprocessados. Isso significa que há tanta modificação química e adição de ingredientes artificiais de cor, aroma e sabor que, no final, resta pouco ou nenhum alimento de verdade. Além disso, os sabores são acentuados de tal forma que podem ser viciantes — os tais hiperpalatáveis.

Segundo uma pesquisa da Fiocruz Brasília e do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde, da Universidade de São Paulo, os custos de doenças e mortes provocados por alimentos ultraprocessados em geral chegam a R$ 10,4 bilhões por ano, considerando despesas diretas com tratamentos no SUS e indiretas por mortes e absenteísmo, quando a pessoa precisa se ausentar do trabalho.

“As doenças crônicas não transmissíveis, como câncer, diabetes, obesidade, doença respiratória e cardiovascular, já representam 75% das mortes no Brasil, e entre os três principais fatores de risco estão alimentação não saudável, tabaco e uso nocivo de álcool”, explica Marcello Baird, coordenador de Advocacy da ACT Promoção da Saúde.

Organização não governamental criada em 2006, a ACT trabalha na promoção e na defesa de políticas de saúde pública em temas como a alimentação, por meio de ações de advocacy, que incluem incidência política, comunicação, mobilização, formação de redes e produção de conhecimento. Entre as medidas que a ACT defende está o tributo saudável: a adoção de impostos mais altos sobre produtos não essenciais à vida e com efeitos negativos para a saúde pública.

Em 2023, essa pauta avançou no Brasil com a aprovação da PEC da reforma tributária que criou o imposto seletivo para produtos nocivos ao meio ambiente e à saúde, entre eles, as bebidas açucaradas; nas últimas décadas, ele passou a ser reconhecido por seu verdadeiro nome: imposto para a saúde.

Os custos de doenças e mortes provocados por alimentos ultraprocessados em geral chegam a R$ 10,4 bilhões por ano

Agora, a discussão é sobre as alíquotas que essas bebidas devem pagar, o que significa o quanto seu preço final deve aumentar. “Isso torna os produtos menos acessíveis, gerando melhores desfechos em saúde e menos custos para o SUS. É a política mais efetiva de todas, porque mexe direto no bolso do consumidor”, explica Baird.

Mais de 80 países

Ele destaca que muitos países já cobram imposto seletivo. “Eles variam, mas o tabaco é quase unânime, assim como o álcool. Já as bebidas açucaradas são tributadas em mais de 80 países, como Reino Unido, França, Portugal e México. É uma tendência mundial. O Brasil está chegando um pouco atrasado, mas se alinhando a esse padrão internacional.”

O aumento de tributos sobre refrigerantes e outras bebidas adoçadas tem apoio popular. Segundo pesquisa realizada pelo Datafolha, no ano passado, 64% dos brasileiros são favoráveis à medida. Além disso, a política é defendida pelo Banco Mundial e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e conta também com a chancela de sociedades médicas brasileiras.

Os riscos à saúde que os refrigerantes trazem são bem estabelecidos e a tomada de decisão na hora de consumi-los não é simplesmente racional, cognitiva. É muito mais instintiva

“As políticas públicas são extremamente importantes para ajudar a população a ter uma alimentação mais saudável. Os riscos à saúde que os refrigerantes trazem são bem estabelecidos e a tomada de decisão na hora de consumi-los não é simplesmente racional, cognitiva. É muito mais instintiva”, afirma a endocrinologista Maria Edna de Melo, coordenadora da Comissão de Advocacy da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) e diretora da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

Para ela, o preço é um fator que pode ajudar a controlar o impulso do consumo. “Os refrigerantes são bastante acessíveis, têm um custo baixo, se comparar ao preço da água, por exemplo, e isso influencia diretamente na tomada de decisão”, destaca ela.

O Senado aprovou, no final de setembro, um teto de 2% nesse imposto para as bebidas açucaradas, que na prática vai beneficiar os refrigerantes. “O relator do projeto, o senador Eduardo Braga (MDB), do Amazonas, aproveitou outro projeto de lei, que não tinha nada a ver com o imposto seletivo, para colocar o teto”, explica Baird.

Por ser produzido na Zona Franca de Manaus, no Amazonas, o concentrado, principal ingrediente dos refrigerantes, está livre de IPI, o Imposto sobre Produtos Industrializados, cuja alíquota é de 8% nas outras regiões do país. Hoje, isso colabora para distorções como a carga tributária da água mineral ser mais alta do que a dos refrigerantes, segundo cálculo da Associação Brasileira da Indústria de Águas Minerais (Abinam).

Agora, o texto aprovado no Senado volta para a Câmara, onde entidades como a ACT esperam reverter o teto. “Deixar 2% de tributação máxima é a mesma coisa que nada. Os defensores dessa medida precisam explicar para a sociedade que quanto mais baixo o imposto seletivo, mais alto será o imposto para todos os outros produtos na economia”, afirma o coordenador da ACT.

A experiência em outros países do mundo mostra que aumentar impostos é muito eficiente na promoção da saúde

Para a organização, os tributos devem estar atrelados a metas sanitárias. “O que deve ancorar essa discussão é o quanto se quer reduzir o consumo desses produtos para melhores desfechos na saúde. A experiência em outros países do mundo mostra que aumentar impostos é muito eficiente na promoção da saúde.”

Essa política já demonstrou bons resultados inclusive por aqui, no caso dos cigarros. “O Instituto Nacional do Câncer, INCA, fez um estudo que mostrou que cerca de metade da redução de fumantes no Brasil entre 1989 e 2010 se deveu ao aumento de tributos. É o fator individual mais relevante para promoção da saúde”, compara Baird.

Nocivos ao meio ambiente
É relevante também o impacto à natureza dessas bebidas. Um estudo internacional revisado por pares, publicado no ano passado na revista Science Advances, apontou que metade do plástico retirado do meio ambiente vem de apenas 56 empresas. O ranking é liderado pela Coca-Cola Company, com 11% dos resíduos, em seguida PepsiCo (5%), Nestlé (3%), Danone (3%) e Altria/Philip Morris International (2%).

Foram analisados 1,87 milhão de itens plásticos, recolhidos entre 2018 e 2022. A pesquisa envolveu universidades dos Estados Unidos, Austrália, Filipinas, Nova Zelândia, Estônia, Chile, Suécia, Canadá e Reino Unido e aponta para a ideia de que eliminar gradualmente os produtos plásticos descartáveis e de curta duração pelos maiores poluidores reduziria significativamente a poluição plástica global.

Além disso, a produção de bebidas açucaradas envolve uma grande pegada de carbono e hídrica. “A quantidade de água que se usa e se desperdiça na fabricação de refrigerantes é gigantesca. Esses produtos entraram no imposto seletivo como prejudiciais à saúde, mas, de fato, também são nocivos ao meio ambiente”, finaliza Baird.

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A ACT trabalha pela promoção e pela defesa de políticas públicas de saúde por meio de ações de advocacy, comunicação, mobilização, formação de redes, produção de conhecimento, entre outras.

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