Adultização de crianças e adolescentes

Professora de direito constitucional e diretora-presidente do Instituto Liberta, Luciana Temer indica livros e filmes que discutem a violência sexual infantil

Ana Elisa Faria 14 de Outubro de 2025

Em agosto, o youtuber Felca aguçou um debate nacional sobre a exploração de crianças e adolescentes nas redes sociais. O movimento começou com um vídeo denúncia de práticas abusivas de influenciadores que promoviam a exposição sexualizada de meninos e meninas na internet, servindo a grupos de pedofilia.

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O barulho foi tamanho que pouco mais de um mês depois o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou o Estatuto Digital da Criança e do Adolescente (Lei 15.211), que visa coibir casos de violações graves contra menores de 18 anos no ambiente virtual.

Toda a indignação social em torno do tema também trouxe ao debate uma palavra que resume a problemática: “adultização”. Segundo a advogada Luciana Temer, professora de direito constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC–SP) e diretora-presidente do Instituto Liberta, o termo foi popularizado pelo vídeo de Felca, mas ele não se restringe às redes sociais.

Adultização, conforme explica, é colocar a criança ou o adolescente em uma situação não adequada para o seu estágio de desenvolvimento. Entre os exemplos estão trabalho e casamento infantil e exploração sexual.

No Liberta, Temer trabalha pelo fim de todas as violências sexuais contra crianças e adolescentes por meio da comunicação e da conscientização — de acordo com ela, além de crime, “é uma forma terrível de “adultização”. Puxando por esse recorte, Gama a convidou a listar cinco conteúdos culturais que tratam do assunto de formas distintas.

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    “Triste Tigre”, de Neige Sinno

    (Amarcord, 2025)

    “Estou acabando de ler ‘Triste Tigre’ e achando ótimo. Fala de uma situação de abuso intrafamiliar. A autora conta a história do abuso que viveu com o padrasto durante anos. No texto, ela se aproxima e se distancia de uma situação vivida por muitas pessoas. Uma das coisas interessantes do livro é que a escritora explica sua imobilidade ao não abordar o assunto. Por que ela não contava para ninguém? Por que nunca reagiu? É aí que ela conta que o abusador era um herói na cidade, um cara querido, meio explosivo. Acho muito importante falar disso.”

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    “Pssica”, de Edyr Augusto

    (Boitempo Editorial, 2015)

    “A série baseada neste livro estreou recentemente [na Netflix], mas ainda não assisti. Não tive espírito porque o livro é muito duro. Maravilhoso, mas duro. É um livro pequenininho do jornalista paraense Edyr Augusto, que conhece muito a realidade do Pará. ‘Pssica’ envolve abuso, exploração sexual, tráfico de meninas. É um soco no estômago, mas é uma literatura maravilhosa, de muita qualidade. Ele ganhou diversos prêmios na França, tem vários livros traduzidos lá. Agora, é uma obra duríssima que fala de uma violência extrema, muito extrema mesmo.”

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    “As Meninas da Esquina”, de Eliane Trindade

    (Record, 2005)

    “A Eliane estava fazendo uma reportagem, mas ficou tão grande que virou este livro e, depois, foi transformado em filme, ‘Sonhos Roubados’ [disponível no Prime Video]. ‘As Meninas da Esquina’ é ótimo para compreender a realidade da exploração sexual. Eu li já faz mais de 15 anos, nem trabalhava com isso na época, e saí da leitura entendendo a realidade daquelas meninas, o contexto daquela exploração sexual — que as pessoas chamam de exploração infantil. O livro se baseia nos diários das garotas e, muitas delas, não sabiam escrever. Então, gravavam em um gravador para a Eliane traduzir, e ela transcrevia. Por isso, é uma linguagem das próprias meninas, é uma imersão naquele mundo para entender as dores, que muitas vezes não eram dores relacionadas à exploração sexual. Eram dores que tinham a ver também com outras violências, como o abandono social, o abandono da mãe, com o desejo de consumo que só se concretiza a partir da exploração sexual. Sociologicamente, é um livro muito importante.”

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    “Manas”, de Marianna Brennand

    (2025)

    “Tive a oportunidade de ler o roteiro quando estava montando o Instituto Liberta, entre 2017 e 2018, e o texto virou um filme incrível. É um filme lindíssimo. Eu digo para a Mari [diretora e roteirista da obra] que ela fez um filme que tem uma causa, mas não é um filme de causa, é um filme lindo que traz uma causa importante, a violência entre familiares e a exploração sexual ligada à alta vulnerabilidade social.” Disponível no Globoplay.

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    “O Conto”, de Jennifer Fox

    (2018)

    “Fui assistir achando que seria uma bobagem, aquele filme para não pensar muito. Dei o play e caí, de novo, no tema da exploração e do abuso sexual. Trata-se de uma história real, contada a partir da lembrança de uma mulher adulta bem-sucedida, vivida pela Laura Dern. Ela começa a falar do primeiro namorado. Na verdade, na cabeça dela é o primeiro namorado, ela lembrava dele assim. Mas quem era aquele cara? Era o treinador de equitação dela. Nessas lembranças, a personagem vai se tocando da idade que tinha, entre dez e 11 anos. Idade que ela teve a primeira relação sexual com aquele homem de 40 anos. Assim, cai essa ficha e ela tenta confrontá-lo. É muito forte. E é legal porque mostra uma menina que não vive em vulnerabilidade social. Ou seja, já quebra um estereótipo e o espectador entende que essa violência está em todos os espaços.” Disponível na HBO Max.

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