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Ilustração de Bruno Senise

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5 dicas

Como fazer uma "slow travel"

Viajar com calma, por mais tempo e para menos lugares é uma tendência do turismo contemporâneo que se opõe à ideia de produtividade até nas férias

Ana Elisa Faria 29 de Junho de 2025

Como fazer uma “slow travel”

Ana Elisa Faria 29 de Junho de 2025
Ilustração de Bruno Senise

Viajar com calma, por mais tempo e para menos lugares é uma tendência do turismo contemporâneo que se opõe à ideia de produtividade até nas férias

Em um mundo hiperconectado e acelerado em todas as searas, o desejo por parar, respirar e viver com mais presença também chegou às viagens. Muitas pessoas têm buscado fugir do turismo acelerado para experimentar uma forma mais consciente, sustentável, imersiva e profunda de conhecer o mundo. É o chamado “slow travel”, expressão que pode ser traduzida como “viagem lenta”.

Mais do que reduzir o ritmo, o movimento propõe uma mudança de mentalidade: viajar com calma, por um tempo maior, ou para um único lugar, e de maneira conectada com a cultura local. O objetivo não é bater recordes de passeios e cidades vistas em poucos dias, mas desfrutar o tempo com qualidade. “É estar, e não só passar”, define Vagner Alcantelado, cocriador do projeto Melhores Momentos da Vida, que há mais de uma década adota esse estilo sem pressa pelas estradas ao redor do globo.

O foco está nos mercados de bairro, nas conversas com moradores, nas refeições típicas e demoradas, nos silêncios bem-vindos, no sono de qualidade e nas andanças sem rumo. Esse jeito de viajar surge, muitas vezes, como resposta a uma exaustão: das férias que cansam, do roteiro cronometrado, da obrigação de “aproveitar ao máximo”, do pinga-pinga de atração em atração. Para Marianne Costa, CEO do Grupo Vivejar, o “slow travel” é um antídoto contra a lógica da produtividade até nas horas de descanso. “É um remédio para o nosso tempo”, afirma.

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Na prática, não significa renunciar a metas turísticas — uma foto em frente à Torre Eiffel está liberada. O que importa aqui é o modo de viajar, a proposta é abraçar a experiência estando presente. É viver mais e postar menos. Tanto que é possível aplicar essa abordagem viajante em qualquer lugar, mesmo em grandes centros urbanos.

“O ‘slow travel’ não depende do destino, mas de como você escolhe viver a viagem”, afirma Neilla Vicentini, diretora operacional da Conceito Viagens e Turismo.

Abaixo, Gama reuniu dicas para quem quer embarcar nesse tipo de jornada.

  • 1

    Planeje dias livres para “não fazer nada” –
    Tempo é a palavra-chave desse modo de viajar mais vagaroso e contemplativo. Portanto, a dica número um é abrir espaço na agenda — e na cabeça — para simplesmente repousar, observar, se “perder” por ruas e bairros pouco óbvios do destino em questão, além de se conectar com o que está ao redor. “Planeje a sua viagem já contando com dias de descanso no meio do caminho. Dias para não fazer nada mesmo, só curtir o ritmo do lugar, sem pressa. Isso muda tudo”, sugere Vagner Alcantelado. Segundo ele, o segredo é desacelerar de propósito. A lógica é a da pausa como experiência. A jornalista de viagem Talita Ribeiro diz que, com a maturidade, após várias viagens aceleradas, ela compreendeu a importância de não preencher os vazios no roteiro para não precisar tirar férias das férias. Ribeiro lembra de uma tendência contemporânea, a do turismo do sono. “Hoje em dia tem bastante gente viajando para dormir. Parece uma coisa bizarra, mas não é. Faz todo o sentido nessa vida doida que estamos levando, com aceleração de áudios de WhatsApp, falta de concentração em vídeos com mais de dois minutos.” Tantas possibilidades de passeios acabam levando as pessoas a um esgotamento em um momento que deveria ser de relaxamento e ócio. “O ‘slow travel’ é um convite para você estar no presente e não tomar decisões no automático, daquelas do tipo: ‘É claro que eu vou para essa atração, eu tenho que ir’. No formato ‘slow’ não existe nada que você tenha que fazer, exceto estar presente”, explica a jornalista. Marianne Costa comenta que ótimas experiências acontecem justamente no intervalo entre uma atividade e outra. “Se a agenda está lotada como se a pessoa estivesse em uma rotina de trabalho, não haverá espaço para o inesperado acontecer, para uma conversa profunda, para a conexão com uma comunidade, para visitar lugares inesperados e conhecer outras pessoas”, conta. Ou seja, reserve tempo para o acaso.

  • 2

    Faça menos deslocamentos e fique mais tempo em um só lugar –
    A correria entre trens, voos, check-ins e check-outs, o vaivém entre museus e restaurantes e as horas gastas em filas intermináveis são ações opostas ao que o “slow travel” propõe. Para Neilla Vicentini, só de falar em trocar de hotel várias vezes, arrumar e arrastar malas para cima e para baixo já dá um enorme cansaço. A agente de viagens compartilha que a proposta de “ver o máximo possível” em pouco tempo ainda é comum, mas tem perdido força. Conforme a especialista, inúmeros viajantes hoje preferem qualidade da experiência à quantidade de destinos visitados. Ao permanecer um período maior, o turista começa a criar pequenas rotinas, reconhece caminhos, descobre cantinhos especiais, frequenta os mesmos estabelecimentos. “Talvez, em alguns dias, o garçom do café já saiba como você gosta do seu expresso. Isso é uma delícia”, diz Vicentini. A familiaridade com o entorno gera uma sensação de pertencimento, ainda que provisória, o que faz parte da essência do movimento de viajar mais calmamente. Vagner Alcantelado também defende uma permanência maior em um só lugar, se possível. Na estrada há 13 anos, pulando de país em país sem endereço fixo, ao lado da esposa, Bárbara, o cofundador do projeto Melhores Momentos da Vida relata que o casal se instala numa localidade por, no mínimo, 15 dias, chegando a ficar até três meses. “Mesmo com o tempo contado, é importante parar para descansar. Por isso, a gente não costuma ficar poucos dias num lugar. Porque assim dá para realmente conhecer o local respeitando o nosso ritmo. É uma viagem em que cabe tudo: descanso, descobertas e dias sem fazer nada.”

  • 3

    Conecte-se com o destino e com as pessoas –
    Para adeptos do “slow travel”, mais do que fotografar a paisagem ou postar uma selfie em um endereço famoso, o que marca uma viagem são os encontros — com pessoas, culturas, histórias. Marianne Costa acredita no poder dos vínculos que esse tipo de férias pode proporcionar. “Quando o turista sai do modo automático e entra num ritmo mais receptivo, as conexões se aprofundam. Ele olha nos olhos dos locais, escuta com atenção.” Nesse sentido, a CEO do Grupo Vivejar indica também o desapego de determinados luxos ou certas comodidades, como se hospedar em hotéis ou resorts. Em vez disso, a especialista recomenda a hospedagem na casa de um anfitrião disposto a receber. “Isso permite que experiências mais imersivas e autênticas aconteçam”, afirma. Antonio Jiménez, fundador da SlowTravelers, reforça que vivências originais e orgânicas dificilmente estão nos roteiros tradicionais. “Não quero que o viajante só prove o jamón ibérico, quero que ele veja como é feito, quero que ele converse com um produtor, saiba como é o dia a dia desse trabalhador.” De acordo com Jiménez, conhecer o que é diferente nos destinos é o que faz com que a viagem seja realmente transformadora e gratificante. “É sair da rota padrão para ter um contato mais direto com tradições que estão escondidas do turismo convencional”, pontua. Esse viajar lento convida à escuta, à empatia e à observação atenta do que existe — e resiste — fora dos cartões-postais.

  • 4

    Fuja das viagens nas altas temporadas –
    Evitar os períodos de férias escolares, Natal, Réveillon e feriados é uma das estratégias mais eficazes para desacelerar ao viajar, fugir das multidões e economizar — orientação que serve para qualquer tipo de viagem, aliás. “Em julho, a Europa vai estar sempre lotada, por exemplo”, alerta Neilla Vicentini. Portanto, se você tem a flexibilidade para folgar fora da alta temporada ou para visitar pequenas cidades ou localizações isoladas do assédio turístico, aproveite. Marianne Costa grifa que a escolha da época é tão importante quanto a escolha do destino. Além disso, períodos alternativos favorecem o contato com os moradores e com uma cidade funcionando o mais próximo possível dentro da sua realidade cotidiana. Fora do pico de viajantes, também é mais fácil puxar conversas, ouvir histórias, descobrir culturas e parar em frente às mais célebres obras de arte do mundo por minutos, sem empurra-empurra e celulares em punhos se esmagando para capturar o ângulo perfeito.

  • 5

    Pesquise e se prepare para a viagem –
    Viajar de uma maneira mais “slow” não é bagunça. Não é porque haverá dias livres que tudo será improvisado. Pelo contrário: uma boa viagem lenta começa em casa, com um planejamento atencioso que vai permitir o aproveitamento com calma e leveza de cada momento. “Aqui na agência, a gente usa o termo: viajar antes da viagem”, resume Neilla Vicentini. “É importante estudar o destino, conhecer minimamente a cultura, saber onde se está pisando para não chegar totalmente desavisado.” Conhecer os hábitos, aprender expressões básicas do idioma e entender o contexto cultural e histórico do destino tornam a experiência mais rica e respeitosa. “É o mínimo que eu espero de alguém que visita a minha cidade”, pontua. Vicentini salienta que, muitas vezes, o atrito entre moradores e turistas nasce da falta de cuidado com coisas simples — como falar um simpático bom dia na língua local ou respeitar regras básicas de convivência. Apreciadora de sorvetes e cafés, Talita Ribeiro relata que, antes de pensar nos restaurantes famosos e estrelados de um lugar, ela pesquisa sobre as sorveterias e os cafezinhos locais. “Sempre me pergunto: ‘Onde, nesta cidade, vou me sentir em casa? Quais lugares vão me fazer sentir abraçada?’ O ‘slow travel’ ajuda você a se sentir acolhida e a não se sentir uma estrangeira, uma pecinha fora daquele contexto”, finaliza.

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