Livros sobre amizades geniais

“Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro.” A frase ilustrada na capa de “O Encontro Marcado” (Record, 1995) resume a trajetória do protagonista Eduardo Galeano, que vive uma constante busca de si mesmo e da verdadeira razão da vida. Um romance de formação importante na carreira de Fernando Sabino, a obra contém muitas informações autobiográficas. Além de Eduardo, há outros dois personagens marcantes, Mauro e Hugo. Os três amigos levam uma vida boêmia na juventude e prometem se reencontrar dali a 20 anos, no mesmo lugar: o ginásio da escola.

Uma amizade pode ser importante para sua formação e, ao mesmo tempo, uma grande turbulência. É o que ensina o romance de estreia da espanhola Andrea Abreu. Em “Pança de Burro” (Companhia das Letras, 2022), as adolescentes Isora e Shit se descobrem em meio ao perigo da erupção de um vulcão nas ilhas Canárias. Como amigas, vivem uma relação visceral, por vezes dolorosa, repleta de afeto, ciúme, idolatria, dependência e até erotismo. Leia um trecho aqui na Gama.

Publicado postumamente, “Paris É Uma Festa” (Bertrand Brasil, 2013) é uma coletânea de memórias escritas por Ernest Hemingway (1889-1961) sobre a sua juventude na capital francesa, nos anos 1920. A ambientação de cafés, ruas e cenas da cidade nos aproximam da vida do escritor norte-americano ao lado de sua primeira esposa, Hadley, e de figuras lendárias como F. Scott Fitzgerald, Ezra Pound, James Joyce e Gertrude Stein — conhecidos como a “Geração Perdida”. Aqui, ele mostra que as conexões humanas são parte central da festa, podendo ser combustível criativo e também palco de fragilidades e tensões.

Ele vive uma vida comum, quase invisível, mas dentro de si carrega um trauma: na juventude, foi abruptamente expulso de seu grupo de amigos. Após 16 anos, o protagonista de “O Incolor Tsukuru Tazaki e Seus Anos de Peregrinação” (Alfaguara, 2014) decide ir atrás de respostas sobre esse acontecimento. Ao reencontrar cada um dos antigos amigos, espalhados entre o Japão e a Finlândia, vai desenterrar feridas, verdades ocultas e mal-entendidos devastadores. Uma dos maiores sucessos do japonês Haruki Murakami, o romance ainda utiliza elementos de realismo mágico, música clássica e silêncio emocional.

Você já se apaixonou por um amigo? Conhecida por escrever sobre uma geração que discute política e arte com brilhantismo, mas que falha nos vínculos íntimos, Sally Rooney começou a carreira de escritora falando da complexa amizade de quatro personagens. “Conversas Entre Amigos” (Companhia das Letras, 2022) se passa em Dublin e acompanha Frances, uma estudante de 21 anos, e sua ex-namorada e melhor amiga Bobbi. Juntas, elas apresentam em público suas peças de poesia e acabam conhecendo Melissa, uma famosa fotógrafa e ensaísta, e o seu marido Nick, ator não muito bem sucedido. Com relações cruzadas e triangulares — Frances se envolve com Nick; Bobbi se aproxima de Melissa —, a obra explora o jogo de poder que se estabelece entre os quatro e o impacto emocional dessa “ménage à quatre”.

Eleito o melhor livro do século 21 pelo New York Times e um clássico da intensidade e complexa dinâmica da amizade feminina, “A Amiga Genial” (Biblioteca Azul, 2015) é presença obrigatória nesta lista. O livro abre a tetralogia napolitana de Elena Ferrante e tem como ponto de partida um sumiço. A personagem Elena Greco relembra a relação de amizade com Rafaella Cerullo, iniciada ainda na infância, nos anos 1950, em um bairro pobre de Nápoles. Juntas, atravessam as turbulências da adolescência e o início da vida adulta. Mas a amiga vai embora sem deixar vestígios e, quando sabe sobre o desaparecimento, Elena tenta impedir que ela desapareça por completo.

Uma trama dolorosa construída a partir da relação entre quatro amigos que vivem em Nova York se desenrola no livro “Uma Vida Pequena” (Record, 2016), de Hanya Yanagihara. A obra fez sucesso nos Estados Unidos e por onde mais passou, trazendo lições sobre a amizade como sustentação diante do sofrimento. Entre temas como abuso sexual, transtornos mentais e suicídio, a autora questiona os padrões da pós-modernidade.

Clarice Lispector (1920-1977) viveu fora do Brasil por 20 anos entre as décadas de 1940 e 1950. Centenas de correspondências que trocou nesse período foram reunidas nas 864 páginas de “Todas as Cartas” (Rocco, 2023) — uma chance de entender como a escritora lidava com as amizades. Para ela, as epístolas eram uma extensão do país que deixou para trás e da mesma forma que sentia a urgência de enviar notícias, ansiava por respostas. Endereçadas a amigos, a outros escritores e a editores, as cartas têm entre os destinatários nomes como João Cabral de Melo Neto, Rubem Braga, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Nélida Piñon, Lygia Fagundes Telles e Mário de Andrade. Confira um trecho do livro aqui.

Descrito na sinopse como uma obra inescapável da literatura mundial, “Sula” (Companhia das Letras, 2021) acompanha a vida de duas amigas de infância, Sula Peace e Nel Wright, que crescem na comunidade negra do Fundão, em Ohio, no início do século 20. Suas trajetórias se separam na vida adulta. Enquanto Nel segue um caminho convencional e acaba se casando, Sula rejeita as expectativas impostas às mulheres, vive sua liberdade sexual e retorna à cidade anos depois, sendo considerada um “mau exemplo” pelos amigos, familiares e conhecidos. Longe de idealizar a amizade, o curto romance de Toni Morrison explora o afeto feminino como potência e ambivalência.

Vencedor do Prêmio Jabuti e o maior sucesso de Itamar Vieira Júnior, “Torto Arado” (Todavia, 2019) aborda a amizade em um contexto social marcado por herança escravocrata, espiritualidade e resistência coletiva. A obra é ambientada em uma comunidade no sertão baiano, na qual reina a solidariedade entre os vizinhos — dividem comida, cuidados e práticas religiosas. As irmãs que protagonizam a trama compartilham um laço profundo desde a infância, quando um acidente com uma faca faz Belonísia perder a fala e Bibiana se torna a sua voz. Para além da cumplicidade radical, as personagens exemplificam como as conexões humanas podem ser força de sustento e luta diante da opressão.