Trecho de livro

Meditações Para Mortais

O novo livro do jornalista britânico Oliver Burkeman nos dá um prazo de quatro semanas para entendermos que somos limitados e imperfeitos

Leonardo Neiva 06 de Junho de 2025

Longe de ser um manual de promessas impossíveis, o novo livro do jornalista britânico Oliver Burkeman é um verdadeiro convite a aceitarmos nossas inúmeras limitações. Ainda que, à primeira vista, não pareça um caminho muito esperançoso, o autor vai desdobrando ao longo de “Meditações Para Mortais” (Objetiva, 2025) as razões por que entender que é impossível fazer tudo que nos é pedido ou alcançar a tão sonhada perfeição é também uma libertação — e uma chave para lidar com a ansiedade cada vez mais presente no cotidiano de todos nós.

No entanto, a obra não se resume a apontar tudo o que, como seres humanos, não somos capazes de fazer. A partir dessa abordagem, ela explora as melhores formas de lidar com nosso tempo finito e com a incapacidade de equilibrar tantos pratos ao mesmo tempo. Seja no trabalho ou na vida pessoal, Burkeman nos lembra que não há fórmula mágica. Se é ilusão a ideia de que as demandas da vida um dia vão se esgotar, o autor propõe que realinhemos nossa relação com o tempo, entendamos nossas prioridades e façamos as pazes com tudo aquilo que vamos precisar deixar de lado para ter alguma qualidade de vida.

Autor de “Quatro Mil Semanas” (Objetiva, 2022), em que demonstra que lidar com nossa finitude é o melhor remédio para viver bem, aqui Burkeman propõe um período de quatro semanas para o leitor aceitar suas limitações e arrumar tempo para aquilo que realmente importa. Ele, que já escreveu para jornais como Guardian, New York Times e Wall Street Journal, também extrai referências da filosofia, da religião, da psicologia e da literatura como forma de apresentar ferramentas e reflexões que nos auxiliem nessa busca por deixarmos de lutar contra quem somos.


Primeiro dia
É pior do que pensamos

Sobre a sensação libertadora da derrota

O que é verdadeiro já o é. Admiti-lo não o torna pior.
A falta de abertura para o fato não o faz desaparecer.
E, por ser verdadeiro, é com ele que interagimos. O que não
é verdadeiro não pode ser vivenciado. As pessoas conseguem
suportar a verdade, pois já o fazem normalmente.

Eugene Gendlin

A atitude mais libertadora, empoderada e produtiva que podemos tomar, se quisermos passar mais tempo fazendo o que consideramos importante, consiste em entender em que sentido a vida humana — cujo tempo é limitado e o controle sobre ele mais ainda — é bem pior do que pensamos. Meio que sem esperança, na verdade. Sabe aquela nuvem de melancolia que às vezes paira sobre você — acordado no escuro às três da manhã ou ao final de uma quinta-feira estressante no trabalho — quando pensa que a vida dos sonhos nunca se concretizará? A mágica da coisa começa quando você compreende que ela definitivamente não se concretizará.

É verdade que eu já fui acusado de ser um estraga-prazeres. Então deveria ao menos tentar explicar por que isso não tem nada de deprimente.

Considere só para começar — o familiar dilema moderno de se sentir sobrecarregado por uma lista de tarefas longa demais. Você acha que o problema é ter muitas coisas para resolver e pouco tempo, de modo que a única esperança é administrar seus horários com a maior eficiência possível, recorrer a reservas de energia inimagináveis, evitar todas as distrações e, de alguma forma, superar todos os obstáculos até o fim. Na prática, a situação é bem pior do que você pensa, porque a quantidade de novos desafios que parecem ter de ser enfrentados não é apenas grande, como também, para todos os efeitos, infinita. Assim, resolver todos eles é mais do que somente muito difícil. É impossível.

Quando percebemos que é inevitável só conseguirmos realizar uma fração das coisas que gostaríamos de fazer no mundo ideal, a ansiedade arrefece

Mas aqui as coisas ficam interessantes. Uma mudança psicológica importante ocorre quando percebemos que a luta que vínhamos encarando como muito difícil é, na verdade, totalmente impossível. Relaxamos por dentro. É semelhante à sensação de ser pego por um temporal, sem guarda-chuva, e decidir abandonar as tentativas inúteis de permanecer seco para aceitar ficar encharcado até os ossos. Tudo bem, é assim que as coisas são. Quando percebemos que é inevitável só conseguirmos realizar uma fração das coisas que gostaríamos de fazer no mundo ideal, a ansiedade arrefece e sentimos uma disposição renovada em nos debruçar sobre o que de fato é possível fazer. Não é que a vida se descomplica de uma hora para outra: dependendo da situação, deixar certas tarefas de lado pode trazer consequências graves. Mas se é verdadeiramente impossível fazer tudo o que exigem e o que exigimos de nós, então bom, nesse caso, é simplesmente impossível, e aceitar a verdade só vai ajudar. E quando passamos a encarar a realidade, começamos a agir não pela vã esperança de que nossas ações nos conduzem ao futuro utópico da produtividade perfeita, mas sim porque elas valem a pena.

Claro que a sensação de sobrecarga pode não ser um grande problema para você. Seu problema pode ser o perfeccionismo, a angústia das tentativas de produzir um trabalho que atenda a seus padrões exigentes. Mas essa situação também é pior do que pensamos, já que nenhum trabalho que você realize será capaz de atender aos padrões perfeitos da sua mente. Síndrome do impostor? Talvez você acredite que precisa de mais experiências ou qualificações para se mostrar confiante entre seus colegas, mas a verdade é que, na maior parte do tempo, até mesmo as pessoas mais preparadas sentem que estão improvisando — e se algum dia você tiver a oportunidade de oferecer uma contribuição única para o mundo, é muito provável que o fará sem se sentir pronto. Problemas de relacionamento? Também são piores do que pensamos. Pode até ser que você tenha se casado com a pessoa errada, ou que precise de anos de terapia, mas a verdade é que dois humanos falhos e finitos, vivendo e amadurecendo juntos, inevitavelmente serão uma fonte de irritação mútua, trazendo à tona suas questões mais íntimas. (É com aqueles que alegam nunca ter passado por nada do tipo que devemos nos preocupar.)

Se algum dia você tiver a oportunidade de oferecer uma contribuição única para o mundo, é muito provável que o fará sem se sentir pronto

A falecida mestra zen britânica Hōun Jiyu-Kennett, nascida Peggy Kennett, tinha uma maneira brilhante de captar a sensação de liberdade interior que pode vir da compreensão de como nossas limitações são intratáveis. Seu estilo de ensino, ela gostava de dizer, não era aliviar o fardo do aluno, e sim deixá-lo tão pesado que ele o tirasse das costas. Em termos metafóricos, aliviar o fardo de alguém significa encorajar a pessoa a acreditar que, com o esforço suficiente, as dificuldades serão superadas, que ela pode encontrar uma maneira de sentir que está fazendo o necessário, que é competente o bastante ou que relacionamentos são um mar de rosas, e assim por diante. A grande sacada de Kennett foi perceber que muitas vezes é mais benéfico e efetivo tornar esse fardo ainda mais pesado para ajudar a pessoa a enxergar em que medida sua situação é irremediável e, com isso, dar-lhe permissão para parar de tentar.

E depois? Depois é só relaxar. Mas você também pode realizar mais coisas, e se divertir mais no processo, porque não estará mais tão ocupado em negar, consciente ou não, a factualidade de seu dilema. É nesse ponto que entramos no estado sagrado que o escritor Sasha Chapin chama de “brincando nas ruínas”.

Quando tinha vinte e poucos anos, recorda Chapin, sua definição de uma vida bem-sucedida era tornar-se um autor renomado, no nível de um David Foster Wallace. Quando isso não se concretizou — suas fantasias perfeccionistas bateram de frente com as limitações do mundo real —, ele achou a situação inesperadamente libertadora. O fracasso que ele vivia repetindo para si mesmo que não deveria deixar acontecer de fato aconteceu — e não o destruiu. Estava livre para ser o escritor que realmente poderia ser. Chapin escreve que quando esse tipo de confronto com as limitações aparece,

uma preciosa condição existencial pode nascer […]. Deixamos de ver o cenário à nossa volta como algo que precisa ser transformado. Nós o vemos apenas como o ferro-velho que ele é. E então podemos olhar ao redor e dizer, tudo bem, o que há de fato por aqui quando não estou o tempo todo mentindo para mim mesmo sobre como será um dia?

Com isso vem a estimulante percepção de que podemos muito bem seguir com nossa vida: é porque nunca produziremos um trabalho perfeito que podemos muito bem continuar a fazer o melhor trabalho possível; e é porque os relacionamentos íntimos são complexos demais para serem livres de contratempos que podemos nos comprometer com eles e ver o que acontece. Não há garantias — exceto a de que escolher se esconder do mundo é uma receita para a angústia.

Não há garantias — exceto a de que escolher se esconder do mundo é uma receita para a angústia

Pois, ao que tudo indica, nosso problema não é ainda não ter encontrado a maneira certa de obter controle sobre a vida ou de estar a salvo da vida. Nosso verdadeiro problema é, antes de mais nada, imaginar que tanto uma coisa quanto a outra são possíveis para humanos finitos, que, afinal de contas, encontram-se por completo apenas na vida, com todas as limitações, sensações claustrofóbicas e falta de saídas que isso implica. (“Nosso sofrimento”, nas palavras do mestre zen Mel Weitsman, “é acreditar que há um jeito de escapar.”) Quando captamos em que sentido nossa situação é pior do que pensávamos, não precisamos mais seguir como que encolhidos no assento do avião, desesperados à espera de que alguém encontre uma maneira milagrosa de evitar o desastre. Compreendemos que o avião já caiu. (Caiu quando nascemos.) Estamos presos numa ilha deserta sem nada para subsistir além da velha comida do avião e sem alternativas a não ser extrair o melhor que pudermos da nossa condição, junto com os demais sobreviventes.

Pois bem, então aqui está você. Aqui estamos todos nós. Agora, que tal encontrar algo de bom para fazer com o seu tempo?

Produto

  • Meditações Para Mortais
  • Oliver Burkeman (trad. Cássio de Arantes Leite)
  • Objetiva
  • 192 páginas

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