Trecho de livro

Capitalismo da Atenção

Em seu novo livro, escritor e jornalista Chris Hayes trata da busca incessante de empresas pela atenção das pessoas e quais as consequências desse fenômeno para a humanidade

Tereza Novaes 17 de Outubro de 2025

Em meio à enxurrada de notificações, feeds sem fim e algoritmos treinados sob medida para capturar cada fração do nosso tempo, o jornalista e escritor norte-americano Chris Hayes investiga o acirramento da disputa pela atenção humana.

Formado em Filosofia pela Brown University, Hayes é conhecido por seu trabalho na emissora MSNBC, na qual apresenta o programa “All in with Chris Hayes”. Ele já escreveu outros dois livros, “Twilight of the Elites: America After Meritocracy” (2012) e “A Colony in a Nation” (2017), sobre meritocracia e racismo nos EUA – ambos entraram na lista de mais vendidos do “The New York Times”.

O título original de “Capitalismo da Atenção” é “O Canto da Sereia”, que, escreve o autor, “atrai nossa atenção para acelerar nossa própria morte”. Hayes lembra ainda que a palavra sirene, a que ecoa das ambulâncias, vem do mito, um som de lamento. “Nunca estamos livres do canto das sereias e das sirenes. Vivenciamos isso o tempo todo: um ruído alto, uma luz brilhante ou outro sinal perceptivo chama a nossa atenção e perdemos o fio da meada.”

Um ruído alto, uma luz brilhante ou outro sinal perceptivo chama a nossa atenção e perdemos o fio da meada

É com essa figura de linguagem que ele costura essa análise da era digital, tratando das grandes empresas de tecnologia, dos ecossistemas que exploram nossas vulnerabilidades cognitivas e emocionais, que convertem distrações em lucro.

Com base em pesquisas de diversos campos, como psicologia, neurociência e economia, Hayes demonstra os impactos profundos desse fenômeno sobre nossa vida mental e social: o aumento da ansiedade, a exaustão da mente, a perda de vínculos genuínos e o enfraquecimento do debate público. Para ele, se a Revolução Industrial transformou o trabalho físico em ativo econômico, a Revolução Digital converteu a nossa atenção em matéria-prima para uma nova economia, silenciosa, invasiva e altamente rentável.


Com esses aspectos básicos da atenção estabelecidos, podemos fazer uma pergunta que assombra milhões de praticantes do negócio da atenção, desde professores da primeira série até produtores de cinema, políticos e apresentadores de noticiários como eu: como captar a atenção das pessoas?

Sendo alguém que passa grande parte da vida profissional tentando responder a essa pergunta, é útil dividi-la em duas partes. Primeiro, é necessário chamar a atenção: você precisa que as pessoas sintonizem seu programa, ou parem de mudar de canal quando o virem na tela, ou cliquem no link quando um clipe passar por seus feeds. E uma vez que você tenha a atenção delas, precisa mantê-la.

Qualquer um que trabalhe no ramo da atenção já estrutura seu trabalho em torno dessa distinção. Um tabloide tem uma imagem grande e chamativa com uma fonte em letras garrafais para chamar a atenção na esperança de fazer com que o leitor compre o jornal. As reportagens têm manchetes, que existem para chamar a atenção. O lide tenta atrair ainda mais o leitor e, em seguida, o trabalho da reportagem é manter essa atenção. Os programas de TV têm escaladas, e todo caixeiro-viajante e conquistador de boate tem uma frase de abertura.

Todas as noites, às oito horas, meu programa de notícias começa com uma abertura de trinta segundos, que serve como uma espécie de trailer para o restante do programa. Todos os meios mais confiáveis de chamar a atenção estão presentes: eu projeto minha voz, como se estivesse entrando em uma sala gritando; os gráficos estão em movimento, brilhantes e coloridos, ocupando toda a tela. Passamos rapidamente de um assunto para outro, mantendo as coisas em movimento, garantindo que haja um fluxo constante de estímulos para o espectador.

E assim como todos no setor de atenção entendem a necessidade de primeiro prender e depois manter a atenção, hoje temos uma quantidade sem precedentes de dados sobre quando as pessoas param de prestar atenção — quando param de assistir, de ler ou de se envolver. Quase todos esses dados confirmam a distinção básica entre prender a atenção e mantê-la. Nos noticiários, os momentos de maior audiência do programa geralmente são os de abertura, conhecidos como bloco A. Quase todos os programas registram alguma queda ao longo de sua duração.

Essa dinâmica é ainda mais acentuada para conteúdo escrito, como sites de notícias, que monitoram quantas pessoas clicam em uma matéria e quantos minutos passam lendo-a. Em 2014, o então CEO da Chartbeat, que mede o tráfego da web, disse que 55% das pessoas que acessam uma página passam menos de quinze segundos nela. Quando falamos de “clickbait”, estamos falando apenas desse fenômeno simples em escala. E quando associamos o clickbait — como os jornais populares diários com suas capas grosseiras e chamativas — a informações baratas e de baixa qualidade, é porque intuímos que o que eles estão buscando é o ganho mais fácil, as partes mais acessíveis da nossa atenção. Eles estão operando naquela parte instável do nosso cérebro que busca novos estímulos: ameaças, comida, sexo.

Disso decorre algo essencial, que revela uma verdade fundamental sobre toda a experiência da era da atenção: é mais fácil prender a atenção do que mantê-la. Isso pode parecer uma verdade quase trivial à primeira vista, mas tem implicações profundas e de longo alcance. Essa simples verdade estrutura uma grande parte do nosso consumo de mídia e explica por que nossa experiência com a mídia social se tornou tão acachapante e incoerente.

A distinção entre prender e manter a atenção mapeia os dois primeiros aspectos da atenção — atenção involuntária e atenção voluntária. O tipo de atenção que uma manchete chocante ou sexualmente sugestiva de um tabloide atrai é aquela parte profunda da psique que nos afasta da conversa para ouvir o barulho da bandeja caindo ou o chamado da sereia. É a parte de nosso circuito de atenção que trabalha em segundo plano para processar informações novas — novas ameaças ou oportunidades, mudanças no cenário perceptual.

A distinção entre prender e manter a atenção mapeia os dois primeiros aspectos da atenção — atenção involuntária e atenção voluntária

Mas, na medida em que o novo estímulo perceptual perdura, ele diminui de intensidade conforme nossa atenção se adapta, da mesma forma que nossas pupilas se contraem para se ajustar à luz forte. Voltamos para uma postura de livre-arbítrio — isso é algo em que queremos prestar atenção conscientemente ou não? Esse é o desafio da atenção voluntária, e é bem mais difícil. É fácil fazer com que alguém leia a manchete; o difícil é fazer com que essa pessoa leia a matéria.

Voltando ao nosso exemplo do coquetel, digamos que lhe disseram que você poderia usar qualquer meio para obter a atenção total de todos na sala. Um caminho óbvio, que eu acho que seria um tiro certeiro, seria pegar uma arma de fogo, disparar alguns tiros para o alto e gritar: “Muito bem, prestem atenção, todos!”.

É claro que você não precisaria fazer nada tão violento e extremo para chamar a atenção de todos. Há uma série de coisas que poderia fazer — começar a gritar a plenos pulmões, quebrar o copo que você está segurando, tirar todas as suas roupas. A questão é que não importa quem você é, o que faz para viver, quais são seus conhecimentos e talentos, você pode realizar essa tarefa. Isso porque chamar a atenção de uma sala cheia de gente é fácil, desde que você tenha permissão para usar qualquer método à sua disposição.

Mas agora vamos imaginar que você tenha conseguido. A sala inteira está olhando enquanto você ergue sua arma ou fica nu diante de todos. E agora? Digamos que sua próxima missão seja prender a atenção do público, mantê-lo fascinado pelas próximas duas horas. Qual é a sua jogada? Não é uma tarefa tão trivial! Nem mesmo a arma ajudaria muito. Você pode voltar a atirar para o alto para fazer com que todos se concentrem, mas isso não é um roteiro para manter a atenção de uma sala cheia de pessoas por duas horas. Não é possível forçar a atenção por um período prolongado, mesmo com uma arma em punho. E isso não é apenas uma hipótese. Mesmo em situações de terror máximo de luta ou fuga, como podem atestar os reféns em um avião ou os soldados em uma trincheira, é fácil desviar a atenção. Charles Kapar, um funcionário da agência governamental Usaid que sobreviveu ao sequestro de um avião no Kuwait em 1984, contou a um repórter logo após o incidente que, mesmo com sua vida em risco, ele se desligou, tomado pelo tédio. “Aquele sujeito [o sequestrador] estava destruindo tudo e nós estávamos sentados ali. Quase caí no sono de tão entediado que estava.”

De fato, uma das experiências mais comuns e universais da guerra é o tédio. Quase todos os textos sobre a guerra escritos em primeira pessoa relatam isto: longos períodos sem que nada aconteça, pontuados por cada célula do corpo sintonizada com a ameaça violenta do inimigo diante de você assim que ele abre fogo ou ataca. “Você podia estar sentado no topo de um morro”, escreve Tim O’Brien em The Things They Carried [As coisas que eles levavam], “e o dia estava calmo, quente e totalmente desocupado, e você sentia o tédio pingando dentro de si como uma torneira com vazamento, só que não era água, era uma espécie de ácido, e a cada gota você sentia a substância corroendo órgãos importantes. Você tentava relaxar. Abria os punhos e deixava seus pensamentos livres. Bem, você pensava, isso não é tão ruim. E então você ouvia tiros atrás de você e seus testículos subiam para a garganta e você estava guinchando como um porco.”

Portanto, mesmo com a ferramenta definitiva de coerção — a ameaça de violência ou morte —, não é possível simplesmente chamar a atenção das pessoas por muito tempo. Se você tomar uma sala como refém e quiser que as pessoas ouçam seu monólogo de duas horas sobre sua causa política ou a história de seu pior desgosto, vai continuar querendo, a menos que seja um orador talentosíssimo. O mais provável é que as mentes se distraiam e a atenção diminua. Embora seja fácil captar a atenção inicial em uma sala, mantê-la é quase impossível. Até profissionais da atenção como eu considerariam uma diretriz para “prender a atenção dessa multidão por duas horas sem qualquer preparação” um pesadelo.

E agora chegamos à misteriosa alquimia da atenção voluntária. Como manter a atenção de alguém depois de tê-la capturado? Essa pergunta não tem uma resposta definitiva e abrangente, embora séculos de pensadores tenham oferecido seus pontos de vista e, atualmente, trilhões de dólares sejam gastos tentando respondê-la. Todos os professores, comandantes militares, vendedores, anunciantes, todas as campanhas políticas, empresas de mídia e tecnologia se debatem com essa questão. As pessoas que têm o dom de respondê-la fazem fortunas. Isso ocorre porque não há uma resposta única nem meios confiáveis de produzi-la: quanto mais você se agarra a uma solução, mais ela escapa.

Produto

  • Capitalismo da Atenção: Como a atenção se tornou o recurso mais escasso do mundo
  • Chris Hayes (trad. Laura Folgueira)
  • Livros de Valor
  • 272 páginas

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