Vanessa Rozan
Alô Anvisa, que tal uma lei anti-aging?
Influenciadoras de sete anos mostram suas rotinas de skincare da manhã, que contam com mais produtos do que os que eu uso
Estamos comemorando um ano do advento do movimento “Sephora Tweens”, a invasão dos grupos de pré-adolescentes em busca de itens de skincare e maquiagem dentro das lojas da rede francesa Sephora. Tudo começou a ser registrado e comentado nos Estados Unidos e rapidamente foi confirmado aqui no Brasil. Eu, que tenho uma filha de 12 anos, acompanhei de dentro e antecipei o assunto aqui neste espaço.
Muito se debateu sobre o tema ao longo desse tempo, psicólogos de um lado, pais e mães do outro, sociólogos e influencers tentando identificar os muitos fatores que impulsionaram esse movimento ainda forte nos dias de atuais. Um ano depois, pouca coisa mudou, influencers monetizam em cima do público alvo do movimento, as crianças e pré adolescentes entre 9 e 12 anos, que por sua vez seguem em busca de rotinas de cuidado facial e produtos de beleza que viralizam nas redes sociais, em especial no TikTok. A rede é a mais habitada por seres dessa faixa etária e a que tem algoritmos mais bem treinados para fazer seus usuários ficarem o maior tempo possível por ali.
Logo que a onda começou a se formar, houve uma tentativa na Califórnia de fazer com que os produtos da categoria anti-idade fossem proibidos para esse público. Na época, a lei não foi aprovada. Agora, voltou com algumas alterações, proposta pelo mesmo político, Alex Lee, membro do partido democrata.
A ideia da proposta de lei é que produtos anti-idade sejam vendidos apenas a pessoas maiores de 18 anos. A apresentação da carteira de identidade é obrigatória no ato da compra para a verificação etária. Eu gostei? Gostei sim.
Envelhecer é seguir vivo e seria uma vitória se não estivéssemos mergulhados em uma sociedade que só ressalta a beleza da mulher em sua juventude
A categoria anti-idade se tornou famosa na década de 1980 com a mudança da estratégia da indústria dos cosméticos, quando surgem inúmeras fórmulas mágicas aparentemente respaldadas por pesquisas médicas, que teriam o poder de rejuvenescer. Tudo baseado na premissa do medo de envelhecer, a ideia de que era preciso combater a passagem do tempo a qualquer custo. Foi nesse período que a cosmetologia deu as mãos para a medicina e vestiu suas vendedoras de jalecos brancos, tudo bem reportado em um dos meus livros favoritos que adoro compartilhar aqui, o “Backlash”, escrito por Susan Faludi. O discurso mudou do combate às rugas reais para a prevenção de rugas imaginárias, ou um envelhecimento que não aconteceu, uma tentativa de controle de “danos” antecipada.
O discurso das vendas era organizado para que a mulher sentisse que agora a responsabilidade por não envelhecer estivesse em suas mãos graças aos avanços da ciência. Hoje sabemos que os cremes anti-idade não revertem a passagem do tempo e recentemente discutimos o termo anti-aging, repensando se é mesmo possível algo ser contra a idade, um evento natural que ocorre com todos os seres humanos vivos do planeta Terra. Tentou-se mudar para algo como pro-aging, propondo que se positivasse a ideia de envelhecer; não colou. Envelhecer é seguir vivo e seria uma vitória se não estivéssemos mergulhados em uma sociedade que só ressalta a beleza da mulher em sua juventude, pelo menos desde o final do século 19. Enquanto eu vou lendo para o doutoramento, mais vou escavando de onde veio essa ideia de juventude atrelada à beleza ou ao auge da beleza em uma mulher.
A misoginia do final do século 19, que diz que beleza e juventude andam juntas, ainda atua nos padrões atuais
Só pra você passar raiva aqui comigo: Schopenhauer afirmou que a mulher é feia, e que o homem, quando vê beleza nela, está cego pelo instinto da espécie, o que o leva a achar belo “esse sexo de baixa estatura, ombros estreitos, quadris largos e pernas curtas”. Se pensarmos bem nos corpos das modelos que desfilam nas passarelas ou estampam as publicidades das grandes marcas de cosméticos, em geral, elas são altas, de pernas longas e quadris estreitos. Um tanto o oposto do que o filósofo apontava como inestético, confirmando que a misoginia do final do século 19 ainda atua nos padrões de beleza dos dias de hoje.
Otto Weininger seguiu na mesma linha quando escreveu que “é a mulher velha que revela a realidade da mulher”, reforçando que a mulher não é bela, a não ser em uma possível janela de tempo, enquanto estiver apta a ter filhos e garantir a reprodução da espécie. No século 19, o conceito de que a beleza e a juventude andam juntas ficou bem nítido, mas antes disso muitos unguentos, cremes e pomadas já eram vendidos para a nobreza e aristocracia para manter a pele clara e lisa. Existem muitos registros de manuais de beleza da Renascença que detalham como uma mulher bonita deveria ser e, em todos a que eu tive acesso, ser jovem era uma condição primária.
Uma garota de 13 anos quase perdeu a visão ao usar um produto anti-aging com ácidos para esfoliar a pele e deixá-la mais jovem
Voltando à geração da minha filha, que é essa que pode ser impactada pela lei criada na Califórnia e que pode se espalhar pelo mundo: existem inúmeros relatos de garotas fazendo uso de esfoliantes mais agressivos e fórmulas com ácidos que não são indicados para suas peles tão jovens que ainda não estão com suas barreiras de proteção totalmente formadas. O FDA permite o uso de retinol, um derivado da vitamina A amplamente usado para minimizar linhas ao promover a renovação celular e a síntese de colágeno, a partir dos nove anos, pensando nos casos de acne severa que devem ser acompanhados por um médico dermatologista.
O caso é que hoje um pré-adolescente pode comprar retinol numa embalagem fofa em tons pastel sem nenhum controle médico, apenas porque viralizou. E muitos pais não tem nenhum entendimento cosmetológico do que pode ou não ser usado na pele de seus filhos, entendendo que se o produto está à venda numa loja de maquiagem, deve ser seguro para qualquer pessoa. Uma garota de 13 anos quase perdeu a visão no ano passado no Reino Unido, pois usava um produto anti-aging com retinol e outros ácidos para esfoliar a pele e deixá-la mais jovem. TRE-ZE anos. É o exemplo de como o pavor da passagem do tempo e a tentativa de controlar esse “dano” — o envelhecimento, que é reforçado como o pior destino de uma mulher, um tipo de morte em vida — podem levar muitas crianças a colocar a sua saúde em risco. Existem influenciadoras de sete, oito, nove anos mostrando suas rotinas de skincare da manhã que contam com mais produtos do que os que eu uso, tudo isso só pra ir para a escola.
Já que não temos regulação das redes, ao menos essa lei caberia bem no balcão de venda, garantindo que produtos de ação mais agressiva sejam usados no momento em que a pele já possui uma barreira e proteção menos porosa e mais eficiente. Meu voto é para que essa lei pegue aqui. Alô Anvisa, que tal?
Vanessa Rozan é maquiadora, apresentadora de TV e curadora de beleza e bem-estar. É proprietária do Liceu de Maquiagem, uma escola e academia de maquiagem e beleza profissional, aberta há 13 anos. Fez mestrado em comunicação e semiótica pela Puc-SP, onde estudou o corpo da mulher no Instagram.
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