COLUNA

Observatório da Branquitude

Nenhum saber pode ficar para trás

Que o novo Plano Nacional de Educação seja uma via para práticas educativas não reprodutoras de estereótipos e violências raciais

02 de Maio de 2025

O Plano Nacional de Educação (PNE) enfrentará, neste ano, o novo ciclo da revisão decenal, uma importante ferramenta para o planejamento a médio e longo prazos das diretrizes, metas e estratégias para que a política educacional seja uma efetiva no país. Nesse sentido, entra na ordem do dia como uma agenda cara ao movimento negro, pois o PNE representa a possibilidade de participação da sociedade civil organizada na construção de um projeto de educação democrático, inclusivo e com parâmetros mínimos de qualidade para toda a população do país.

Dispositivos de racialidade têm operado historicamente para desvalorizar os saberes produzidos pela comunidade negra, vide as dificuldades e interdições para a implementação das leis nº 10.639/2003, sobre o ensino da história e cultura afro-brasileira na educação, e a lei nº 11.645/2008, sobre o ensino da história e da cultura dos povos indígenas no currículo escolar, configurando um claro recado da desvalorização da contribuição dessas culturas “na formação da identidade nacional, em prol de privilegiar e dar prevalência aos valores culturais oriundos da cultura europeia e seus descendentes no Brasil”, engendrando assim, “um epistemicídio do saber negro, que vai impactar no cotidiano escolar de alunos (as) negros (as), e prejudicar sua formação, autoestima e desenvolvimento intelectual”, conforme alerta Sueli Carneiro.

Que seja ferramenta de enfrentamento contra a evasão escolar, a injustiça curricular e o déficit de aprendizado de grupos marginalizados

Evidências têm sido mapeadas e analisadas pelos movimentos negros no campo da educação para denunciar a diferença de tratamento entre alunos (as) negros (as) e brancos (as), as condições de desigualdade racial de infraestrutura e ambiente escolar, realidade que a despeito dos 24 anos de vigência de um Plano Nacional de Educação no país, não foi capaz de corrigir distorções e exclusões históricas para a população negra e indígena. Vale lembrar, que ao não garantir o acesso a uma educação de qualidade para todas as pessoas e sem discriminações, não há apenas uma desobediência à Constituição Federal/88, como também a instrumentos internacionais ratificados pelo país e com status de emenda constitucional, como a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância/CIRDI, em que o estado brasileiro se comprometeu “a prevenir, eliminar, proibir e punir […] a negação do acesso à educação pública ou privada, bolsas de estudo ou programas de financiamento educacional […] baseados em raça, cor, ascendência ou origem nacional ou étnica”.

No campo da incidência política em Brasília, a estratégia é clara: uma educação antirracista não é possível enquanto os saberes produzidos pela população negra, quilombola, de povos e comunidades tradicionais de matriz africana e de terreiros, indígena, com deficiência e LGBTQIAPN+ ficarem para trás! E isso se traduz na reivindicação e exigência de que, o que é produzido por esses sujeitos seja incorporado nas salas de aula, por meio de um corpo docente diverso e plural, com materiais didáticos que reflitam a realidade dos (as) alunos (as) e as particularidades regionais e territoriais onde residem, e com a garantia de um financiamento adequado para as unidades escolares localizadas em áreas vulnerabilizadas.

Superar as desigualdades raciais no Brasil é uma agenda inegociável para o movimento negro, que acompanhará atento a tramitação do Projeto de Lei nº 2614/2024, cuja atuação será não permitir que a universalização do ensino continue sendo a favor daqueles (as) que sempre tiveram garantidas as oportunidades educacionais: as pessoas brancas.

Metas genéricas, que não apresentam indicadores reais socioeconômicos e raciais, que não trazem um orçamento e explicação clara e objetiva de como o financiamento público será destinado para implementar e monitorar o acesso e as trajetórias educacionais dos (as) alunos (as), que não valorizam e fomentam a formação continuada dos (as) professores (as), seguirão repetindo erros do passado e inviabilizando futuros. A equidade prevista no texto do que poderá ser o novo PNE não deve ser invocada sem medidas concretas, nem pode ser esvaziada de sentido. Tampouco deve deixar de indicar os destinatários das ações que visam uma redistribuição justa de recursos e que consigam mitigar as desigualdades raciais de acesso e permanência nas instituições de ensino nas variadas esferas.

Precisamos reivindicar um PNE antirracista como ferramenta de enfrentamento à evasão escolar, à injustiça curricular e ao déficit de aprendizado dos grupos raciais e socioeconômicos marginalizados, que têm sido impossibilitados de acessar o direito básico ao aprendizado.

Enquanto sociedade, devemos estar atentos (as) e apoiar os movimentos sociais que incidem na revisão do novo PNE, contribuindo na luta por um ambiente escolar seguro, por uma docência valorizada e diversa, e que este instrumento seja uma via para buscar um aprendizado que oriente para práticas educativas não reprodutoras de estereótipos e violências raciais, de modo que os (as) alunos (as) possam também aprender por meio dos saberes produzidos pelas populações historicamente excluídas da formação do Brasil.

Adriana Avelar é analista de Advocacy no Observatório da Branquitude, doutoranda em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), mestre em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e consultora e pesquisadora em questões raciais.

Observatório da Branquitude é uma organização da sociedade civil fundada em 2022 e dedicada a produzir e disseminar conhecimento e incidência estratégica com foco na branquitude, em suas estruturas de poder materiais e simbólicas, alicerces em que as desigualdades raciais se apoiam.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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