Jornalista preto e ativista antirracista — Gama Revista
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Ser preto no Brasil Uma série de quatro textos do jornalista Pedro Borges, co-criador da agência de notícias Alma Preta, sobre as barreiras de crescer como jovem negro no país, o processo de quebrar estereótipos, o amor pela profissão, pelo movimento e a celebração daqueles que vieram antes

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Jornalista preto e ativista antirracista

Pedro Borges 19 de Novembro de 2020

Ser um jornalista preto é ser um sujeito político. Meu corpo, cabelo, minha pele são marcadores políticos e de resistência dentro da seara da comunicação. Sou também um sujeito da política, que acompanha organizações de movimento negro, e que produz um jornalismo posicionado (que jornalismo não é?).

Mas não esconder as opiniões dentro do jornalismo não é a melhor opção que um repórter pode fazer. Ser um jornalista que se posiciona, acompanha manifestações e se organiza politicamente é pouco recomendável, segundo o manual da maioria das faculdades de comunicação. “Busque a neutralidade”, dizem alguns professores e colegas.

A questão é que aprendi a fazer jornalismo cobrindo as ações do movimento negro e me tornei um ativista a partir dos ensinamentos de jornalistas pretos, como Juarez Xavier, Rosane Borges, Dennis de Oliveira, Bianca Santana, entre outras e outros.

O que pode parecer confuso para quem está distante, para mim, que está bem pertinho, não tem nada de contraditório. Eu sou um jornalista posicionado, porque não me cabe outra alternativa diante de uma realidade tão desigual como a brasileira.

Eu sou um jornalista posicionado, porque não me cabe outra alternativa diante de uma realidade tão desigual como a brasileira

A Alma Preta faz uma cobertura da violência contra o povo negro, porque a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no país. O nosso time faz um jornalismo com “lado”, porque as mulheres negras representam 60% das vítimas de morte materna.

Aos meus colegas jornalistas, isentos e neutros, fica a pergunta: a vida não deveria ser a pauta mais importante do noticiário nacional? Ou a neutralidade é tão grande que o silêncio se perpetua para isso.

Quando olho para os principais nomes do jornalismo político nacional, percebo uma série de pessoas que se posicionam, questionam, provocam, e fazem com maestria o trabalho demandado. Por que essas pessoas não são enquadradas enquanto ativistas?

O jornalismo e a minha profissão se tornaram vetores essenciais para a minha vida e dignidade enquanto homem preto. Tenho orgulho do trabalho da Alma Preta e fico muito contente quando percebo que esse orgulho se estende para outras pessoas que compõem a equipe e pessoas que acompanham o material produzido por nós.

A vida e as conquistas da comunidade negra estão muito associadas ao trabalho de jornalistas pretos. É de se ressaltar o trabalho de Luiz Gama, Abdias do Nascimento, Maria Firmino dos Reis, Oswaldo de Camargo, entre outras e outros, que me fazem encher o peito de orgulho para dizer que, mesmo muito distante desses nomes, faço parte dessa história de alguma maneira.

O jornalismo e a minha profissão se tornaram vetores essenciais para a minha vida e dignidade enquanto homem preto

Um dia, quando tive a missão de cobrir um jogo de várzea nas periferias de São Paulo com uma equipe toda preta, vi um grupo de meninos negros que nos seguiam de cima para baixo. Eles pediram para serem filmados, até simularam uma entrevista, e nos falaram que querem ser repórteres quando mais velhos.

Que a nossa profissão seja um lugar de referências e paixões, para meninas e meninos negros das periferias de cidades como São Paulo.

O movimento social negro não é diferente. No meu caso, é um motivo de inspiração e orgulho. Gosto tanto das reflexões de Beatriz do Nascimento, Lélia Gonzalez, Clóvis Moura, entre outras e outros. Admiro demais a luta e a resistência de Carlos Marighella, Sueli Carneiro, João Candido, entre outros.

São histórias maravilhosas, inspiradoras, que nos fazem amar o povo preto.

O Brasil precisa que essas histórias sejam cada vez mais contadas, necessita que mais jornalistas pretos existam e apresentem essas potências para o mundo. Nós do Alma Preta acreditamos e seguimos por este caminho.

Eu amo demais o movimento e o jornalismo para acreditar que existe alguma incongruência no que faço. Enquanto essa contradição for apontada apenas para jornalistas negros, vou seguir com o coração tranquilo e fazendo o que posso pelo meu povo. Como diria Mano Brown na música Jesus Chorou, “amo minha raça, luto pela cor, o que quer que eu faça é por nós, por amor”.

Pedro Borges é co-fundador e editor chefe da agência de jornalismo Alma Preta. Jornalista formado pela Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), compõe a Rede de Jornalistas das Periferias, a Coalizão Negra por Direitos e a diretoria de comunicação da escola de samba Camisa Verde e Branco. Pedro também é colunista da Mídia Ninja e colaborador do Yahoo Notícias e Uol.

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