Mulheres Empreendedoras Elas fazem acontecer — Gama Revista
Isabela Durão

Elas fazem acontecer

Mulheres empreendedoras se adaptam melhor que homens durante a pandemia, apesar de enfrentarem obstáculos

Leonardo Neiva 26 de Janeiro de 2021

Em Recife (PE), de 1º de janeiro ao último dia de fevereiro, é tempo de Carnaval. Enquanto boa parte da população da cidade pensa em comprar fantasias, adereços e ingressos para blocos, os comerciantes cujos produtos não se encaixam em nenhuma dessas definições aguardam ansiosamente a chegada de março, quando o ano começa de verdade para eles.

No início de 2020, Maria Escorel, 37, e a esposa Patrícia Quintella, 39, ambas arquitetas e sócias na bicicletaria Reciclo Bikes, estavam nessa espera. Só que o que entrou em março na loja, que fica no Mercado da Encruzilhada, não foram nem foliões curtindo a ressaca do final das festas nem uma multidão de clientes em busca de bikes. Foi a pandemia, que trancou a porta depois de passar.

Ao contrário de São Paulo, onde o reparo de bicicletas foi considerado serviço essencial, em Recife as bicicletarias não foram poupadas. Diabética, Escorel, que cuidava das vendas e do contato com os clientes, fazia parte do grupo de risco e ficou impedida de ir até a loja. Antecipadas as férias dos funcionários, que depois tiveram os contratos de trabalho suspensos, restava a grande questão: como continuar pagando as contas que se acumulavam com a loja fechada?

Várias empreendedoras pelo Brasil se viram obrigadas a encontrar novas formas de fazer negócio para atenuar os efeitos devastadores da quarentena

A solução encontrada pela dupla foi reabrir o site que estava fechado havia três anos, investindo também na divulgação pelas redes sociais da loja. O plano inicial era adotar uma tática que foi salvação para várias pequenas empresas: vender vouchers antecipados de serviços. No caso delas, para lavagem, manutenção e regulagem de bicicletas. Por sorte, as bikes ganharam visibilidade em meio à pandemia como uma alternativa mais segura às aglomerações dos ônibus. Então não só a Reciclo Bikes vendeu mais de 120 vouchers online durante os três meses em que ficou fechada como viu seu estoque de 14 bicicletas reformadas e customizadas ir embora em pouco tempo.

Assim como Escorel e Quintella, várias empreendedoras pelo Brasil se viram obrigadas a se adaptar, encontrar alternativas para fazer negócio e atenuar os efeitos devastadores da quarentena. Uma pesquisa do Sebrae divulgada em setembro, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, revelou que mulheres empreendedoras se adaptaram até melhor que os homens em diversas frentes desde que a pandemia estourou. De acordo com o estudo, as mulheres não só fizeram mais uso da internet e das redes sociais em seus empreendimentos (71% delas contra 63% deles) como também levaram vantagem nas vendas online (34% contra 29%), inovaram mais na oferta de produtos e serviços (11% contra 7%) e usaram com maior frequência o delivery (19% contra 14%).

Entre os motivos apontados pelo presidente da entidade, Carlos Melles, para essa discrepância, está o fato de que as empreendedoras são, em média, mais escolarizadas do que os homens — 63% delas têm ao menos o nível superior incompleto, enquanto somente 55% deles chegam com essa escolaridade. Além disso, as mulheres que empreendem são em sua maioria mais jovens, sendo que 24% têm até 35 anos, enquanto entre os homens esse percentual é de 18%.

De acordo com a gestora de programas de empreendedorismo feminino do Sebrae-SP, Camila Ribeiro, além de estarem numa constante busca por aprendizado e capacitação, as mulheres também costumam ter mais habilidade para se relacionar nas mídias sociais. Isso faz com que elas acabem lançando mão com frequência dessa ferramenta para melhorar as vendas, divulgar produtos e serviços e estreitar o relacionamento com os clientes.

A conta que não fecha

A mesma pesquisa conduzida pelo Sebrae, no entanto, também apontou que, embora a queda do faturamento tenha sido generalizada, as mulheres sofreram um pouco mais com ela. Do total de empreendedoras do país, 78% tiveram algum impacto negativo na receita. Já entre os homens, esse número é ligeiramente menor: 76% dos empresários declararam ter visto o faturamento encolher em algum nível.

Embora, em média, mulheres tenham escolaridade mais alta que os homens, empresas lideradas por elas faturam 22% a menos que as presididas por eles, aponta Ribeiro. Um dos principais motivos, além de uma cultura de negócios que historicamente favorece o gênero masculino, é o fato de que grande parte das mulheres empilha as obrigações profissionais sobre uma série de tarefas domésticas, ainda vistas como encargos exclusivamente femininos. Assim, elas acabam dedicando 18% menos tempo ao trabalho do que os homens. “Quando a mulher empreende, ela não abdica de um papel para virar empreendedora. Ela continua esposa, mãe, filha, cuidadora da família, além de empresária”, explica a gestora.

Quando a mulher empreende, ela não abdica de um papel para virar empreendedora. Ela continua esposa, mãe, filha, cuidadora da família, além de empresária

E a pandemia veio para complicar ainda mais a situação. Com filhos em casa, devido à suspensão das aulas presenciais, maridos também trabalhando em home office e uma maior dificuldade para conseguir ajuda de profissionais para o trabalho doméstico, muitas mulheres ficaram sobrecarregadas, passando a enfrentar níveis altos de estresse, segundo estudos da ONU Mulheres. Nessas condições, a produtividade no trabalho costuma sofrer um impacto negativo.

Além disso, alguns dos setores nos quais as mulheres mais empreendem, como moda, beleza e alimentação, figuraram entre os mais afetados pela pandemia. Com salões, clínicas estéticas e restaurante de portas fechadas, algumas empresárias se viram obrigadas a se reinventar ou até mudar o modelo de negócio para sobreviver em um mercado que passa por uma crise crescente.

Terapia pandêmica

Em março, quando precisou fechar as portas da clínica de terapias e cursos holísticos que mantém há cinco anos na zona sul de São Paulo, Sandra Zyon, 49, até tentou convencer os clientes a migrar para o atendimento online. Só que a falta do contato presencial pesou e quase ninguém topou mudar o formato dos encontros. Além disso, como grande parte do catálogo inclui tratamentos como acupuntura e massagem, as opções ficaram limitadas a alguns poucos serviços, como aconselhamento terapêutico e leitura de mapa astral.

“Acabei ficando 40 dias sem atender nenhum cliente. Tive até que vender meu carro para pagar os aluguéis do imóvel”, conta a empreendedora.

No período, Sandra passou a investir de forma mais intensa na divulgação do negócio nas redes sociais e a entrar em contato com ex-clientes por Whatsapp para dar suporte. Também começou a produzir vídeos diários com dicas de exercícios simples para cuidar do bem-estar pessoal. Com o passar das semanas, as pessoas voltaram a procurá-la. Principalmente devido à pandemia, muitos tinham desenvolvido quadros de estresse, ansiedade e depressão.

“Inclusive acabei atraindo pessoas que não conseguiria atender antes, clientes do Espírito Santo, Pernambuco e até Austrália”, conta a empreendedora.

Hoje, embora já tenha voltado ao presencial, ela passou a reservar as sextas-feiras para atender exclusivamente online — alguns dos antigos clientes, além dos novos, acabaram preferindo o modelo. De uma média de 13 clientes fixos por semana, a clínica saltou para 20. “Além do setor ter crescido, o online facilita porque as pessoas ficam mais disponíveis”, afirma.

Só os cursos digitais ainda não engrenaram, mas Sandra tem planos para lançar novas opções em breve. “Os que disponibilizei até agora não tiveram procura. As pessoas com quem converso ainda preferem o presencial, já estão um pouco saturadas do online.”

Um empurrãozinho tecnológico

Para a professora da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense Lucilene Morandi, muitas mulheres empreendem por necessidade e precisam enfrentar desafios extras em relação aos homens: têm mais dificuldade de conseguir crédito, culturalmente ocupam posições mais frágeis no mercado e raramente são vistas como empreendedoras. Além disso, a baixa presença delas em cursos de áreas como tecnologia, ciência e engenharia no Brasil barra sua entrada no mercado de startups, acrescenta Morandi, que está à frente do Núcleo de Estudos de Gênero e Economia da faculdade. Hoje, 85% das startups ainda são criadas por homens brancos de classe média, de acordo com dados da Abstartups (Associação Brasileira de Startups).

A baixa presença de mulheres em cursos de áreas como tecnologia, ciência e engenharia barra a entrada no mercado de startups. Hoje, 85% dessas empresas são criadas por homens brancos de classe média

“Muitas mulheres que trabalham em setores como festas e alimentos faziam negócio por venda direta. Com a pandemia, descobriram o espaço da internet e entraram nas redes para impedir que a empresa morresse, adiantando uma mudança que aconteceria só daqui a alguns anos. Muitas estão tendo uma resposta positiva, com a possibilidade de ampliar seu negócio”, diz a professora. Segundo ela, boa parte das empresas que investiram no ambiente virtual permanecem de pé porque passaram a atender um público mais amplo. No fim das contas, mesmo com a hipotética chegada da vacina e o retorno completo das atividades presenciais, o online não deve mais ser varrido para debaixo do tapete.

Ares de mudança

Ao lado do marido, a professora Luciana Lima, 42, vinha complementando a renda familiar fazendo decorações com balões de ar para festas infantis. Quando a pandemia praticamente decretou o fim dos eventos sociais e festividades, ela decidiu alterar o modelo de negócios da empresa, que fica em São Paulo. Em vez de decoração, os balões viraram presentes, desde os customizados com dizeres fofos ou românticos até kits acompanhados de flores, doces e plantas. No catálogo, é possível encontrar até caixas-surpresa, daquelas que você abre e dezenas de balões de hélio saem voando para cima de você.

“Fui obrigada a investir numa máquina de corte de adesivos para personalizar os balões, um serviço que antes eu terceirizava.”, explica a empresária e dona da L’s Balões. E grande parte dessas mudanças deve continuar mesmo após a pandemia. Isso porque Lima aproveitou a situação para investir em produtos que aumentam a durabilidade dos balões, que antes costumavam ser enchidos no próprio local da festa. Com a mudança, eles já chegariam ao endereço prontos, aumentando a eficiência e reduzindo o contato físico com os clientes. “É um gasto maior, mas que otimiza o tempo do cliente e o nosso.”

Em alguns casos, a necessidade acabou levando a um boom nos negócios, abrindo novos canais para a divulgação e venda de produtos e serviços. A Reciclo Bikes que o diga. Voltando ao Recife, a procura pelos serviços da empresa hoje é maior do que antes da pandemia e, enquanto no início eles só podiam ser contratados presencialmente, hoje é possível fazê-lo por WhatsApp, email e pelo site — além de fisicamente. De acordo com a sócia Maria Escorel, que, por motivos de saúde, segue em home office, há razões para se sentir otimista. “Nossa agenda está cheia. Se você chegar hoje querendo fazer uma revisão na sua bike, só vamos conseguir marcar um horários para daqui a duas semanas.”

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