Os sete passos para o descancelamento — Gama Revista

Os sete passos para o descancelamento

Nem sempre o cancelamento é uma viagem sem volta. De Anitta a Kanye West, as estratégias que influencers e celebridades usam para serem descancelados  

Daniel Vila Nova 29 de Maio de 2020

Há alguns dias, o céu era o limite para a rapper Doja Cat. Com apenas 24 anos, ela é considerada a rainha do TikTok e sua parceria com Nicki Minaj lhe rendeu o primeiro lugar nas paradas americanas. E então, ela foi cancelada. Na segunda-feira, dia 25, um vídeo onde a cantora aparece em uma conversa na companhia de supostos membros da extrema-direita americana surgiu no Twitter.

Junto ao vídeo, a internet voltou sua atenção a uma música de 2015 da cantora, “Dindu Nuffin”. A expressão é considerada racista nos EUA e Doja foi duramente criticada. Rapidamente a hashtag “#DojaCatIsOverParty” foi parar nos trending topics do Twitter. Os fãs da rapper se juntaram e organizaram uma espécie de dossiê que confrontava as acusações de racismo . A hashtag #WeAreSorryDoja também foi aos trending topics e, para parte do público, a rapper foi descancelada.

Entretanto, outro vídeo apareceu. Gravado este mês em sua conta do TikTok, Doja chama Beyoncé de “Beyonkey”. Ela foi acusada de juntar as palavras Beyoncé com “monkey”, “macaco” em inglês. A rapper então foi cancelada mais uma vez. Seus fãs argumentam que o termo não se refere a macaco, e sim a “donkey”, “burro” em inglês. A palavra, definida em 2016 pelo Urban Dictionary, retrata uma garota que pensa ter a voz da Beyoncé, quando na verdade soa como o Burro do filme “Shrek”(2001). Doja não mencionou a polêmica com Beyoncé, mas no Instagram, a cantora pediu desculpas e reconheceu seu erro.

Abrangente, a cultura do cancelamento é por vezes subjetiva. Uns veem o cancelamento como uma forma de linchamento virtual, outros argumentam que ele sequer existe. Alguém cancelado por um grupo de pessoas pode ser celebrado por outro. Mas existem aqueles que conseguiram navegar o tortuoso caminho da opinião pública e encontraram o perdão da sociedade — ou de parte dela. De Anitta a Kanye West, Gama reúne sete caminhos que famosos já lançaram mão para serem descancelados.

Politizar-se

O que Felipe Neto e Anitta têm em comum? Além de serem dois dos principais nomes da indústria do entretenimento brasileiro, ambos estão em um processo de politização. O youtuber já foi muito criticado por opiniões preconceituosas e polêmicas.

Nos últimos anos, porém, Neto optou por mudar sua postura. Ele publicou um manifesto em forma de vídeo convocando influenciadores a se posicionarem contra o governo de Jair Bolsonaro. O manifesto lhe rendeu uma participação no “Roda Viva”, onde Neto reconheceu seus preconceitos e reviu posições políticas.

Já Anitta, muito criticada por ficar em cima do muro nesse tema, passou a se interessar mais por política. Fez uma série de lives com a apresentadora da CNN Gabriela Prioli, mudou a opinião de um deputado federal e até boatos sobre a entrada para a vida política surgiram.

Reposicionamento de marca? Estratégia de Marketing? Talvez. Mas a verdade é que em um mundo cada vez mais politizado, essa é uma forma de reconquistar uma parcela do público.

Desculpar-se

Desculpa se eu te ofendi ou desculpa por ofender? Para Jimmy Fallon, essa pergunta se tornou fundamental. Um quadro do “Saturday Night Live” do ano 2000 voltou a tona na internet.

Na esquete, o apresentador interpreta o comediante Chris Rock. Fallon utilizou “black face”, prática racista onde uma pessoa branco se maquia de negra. No Twitter, o comediante se desculpou. Disse que não havia justificativa e agradeceu ao público por responsabilizá-lo por seu ato.

Pedidos de desculpas podem causar um dano maior se soarem protocolares e insinceros. Mas quando as desculpas são bem fundamentadas, não terceirizam a culpa e parece haver um arrependimento real, o reconhecimento do erro se torna uma boa estrada para o descancelamento.

Não se importar

O que vem de baixo não os atinge. Esse parece ser o lema de certos famosos na hora de lidar com seus erros. Na contramão das desculpas, não se importar com seu cancelamento pode ser benéfico para a sua carreira.

Em 2009, Robert Downey Jr. foi indicado ao Oscar por sua atuação em “Tropical Thunder” (2008). No filme, ele interpreta um ator branco que realiza um procedimento estético para virar negro. Downey Jr. usa “black face” durante toda o longa. Em entrevista ao programa “Joe Rogan Experience”, o ator disse não se arrepender de suas ações.

Outro expoente que parece não ligar para o seu cancelamento é Kanye West. O rapper já se envolveu em inúmeras polêmicas, só se desculpou por uma e mesmo assim continua sendo um dos maiores nomes da música americana.

Explicar-se

O meio termo entre não se importar e pedir desculpas. Foi a opção encontrada pela youtuber Natalie Wynn, também conhecida como ContraPoints.

No vídeo “Opulence”, Buck Angel faz uma pequena participação. Angel é um dos primeiros atores pornôs transgêneros e uma figura polêmica na comunidade trans. Ele é tido como um transmedicalista — uma pessoa que acredita que a identidade trans só é válida depois de um procedimento médico. Natalie, ela mesma uma mulher trans, foi cancelada e atacada por sua associação com Buck.

Sua resposta? Um vídeo de 1h40 discutindo a cultura do cancelamento, explicando o seu caso e abordando as proporções absurdas que o incidente tomou. Natalie não se desculpa, mas também não ignora a questão. Se defender das acusações que levaram ao cancelamento também podem levar a um eventual descancelamento.

Ausentar-se

O movimento #MeToo foi um dos principais fatores que contribuíram para a cultura do cancelamento como conhecemos hoje. Dentre os acusados mais famosos, o comediante Aziz Ansari foi um dos poucos que continuaram com uma carreira.

Parte disso pode ser explicada pela forma com que o site “Babe.net” produziu a reportagem acusando Ansari em 2018. A maneira com que o assunto foi abordado foi criticada e houve quem entendesse o relato de assédio como um simples “encontro ruim”. O outro fato que contribuiu para o descancelamento do ator foi seu sumiço por um ano e meio.

Aziz se ausentou da vida pública e só reapareceu em 2019, com um espetáculo de stand-up para a Netflix chamado “Aziz Ansari: RIGHT NOW” (2019). Para um comediante que costumava lotar o Madison Square Garden, Ansari está parado. Ele fez parte da reunião do elenco de “Parks and Recreations” e a Netflix já sinalizou que tem interesse em continuar a produzir a série “Master of None”, criada e estrelada pelo ator.

O movimento de se ausentar e deixar a poeira baixar parece ter sido benéfico para a carreira do comediante, que se vê descancelado e autorizado a atuar.

Mudar

Certas coisas pertencem ao passado. Mudar posturas e produções problemáticas, ou talvez parar de reproduzi-las, é uma forma de ser responsável pela mensagem que você passa ao público. É também uma boa maneira de ser descancelado.

Foi o caminho tomado pelo rapper Criolo no relançamento de seu disco “Ainda Há Tempo”(2016). O rapper era criticado por alguns trechos de suas músicas considerados machistas e transfóbicos. Quando, anos depois, regravou essas canções, mudou a letra para versões não problemáticas. Na canção “Vasilhame”, o verso “Os traveco tão aí, oh! Alguém vai se iludir” virou “O universo tá aí, oh! Alguém vai se iludir”.

Já os Racionais MC’s seguiram um caminho mais radical. O grupo tinha diversas músicas com teor machistas e os integrantes optaram por cortar as canções dos shows. Eles alegam que a sociedade mudou e que eles deveriam servir como exemplo positivo para a juventude.

Morrer

É difícil cancelar alguém que está morto. O documentário “Leaving Neverland” (2019) relembrou e fundamentou acusações contra Michael Jackson. Entretanto, o rei do pop está morto há anos e sua popularidade não parece diminuir.

Na internet, o escritor Monteiro Lobato é problematizado dia sim, dia não. O racismo do escritor é pauta do movimento negro há anos, mas ainda existem aqueles que argumentam a favor da importância de sua obra. Recentemente, o apresentador Pedro Bial defendeu o escritor e disse ser injusto chamá-lo de racista.

Quando falamos de figuras do passado, as defesas quase sempre vão para o lado “ele era um homem do seu tempo”. Como estamos falando de pessoas notáveis e que influenciaram toda uma geração, a defesa dos erros dos famosos se torna comum. Mortos, eles não conseguem piorar suas situações, podendo enfim ser descancelados.

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