A batalha entre os gêneros no home office — Gama Revista
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Na batalha por espaço no home office, mulheres são nômades relutantes

Historicamente, em propagandas e nas séries de TV, o espaço de trabalho para homens é um escritório fechado, enquanto o das mulheres se resumiu a uma mesa na cozinha ou no quarto de dormir

Elizabeth Patton* 03 de Novembro de 2020

Passam das dez horas da manhã e meu companheiro, em sua terceira reunião virtual de hoje, está trabalhando sem parar no escritório de casa. Desde o final de agosto, meu filho tomou conta da sala para assistir às aulas à distância, jogar videogames e socializar com os amigos online. Eu estou dando aulas online neste outono e não tenho acesso diário ao meu escritório no campus, que fechou em março.

Por esses motivos, toda manhã, eu me encontro carregando meu laptop e chá ao redor da casa tentando encontrar um lugar quieto para trabalhar. Antes da pandemia, ao contrário do meu marido que já trabalhava à distância de um a dois dias por semana, eu nunca precisei de um espaço em casa para trabalhar.

Com o anúncio do Google de que seus 200 mil empregados poderiam trabalhar em casa até junho de 2021 — e o Twitter, Square e Slack anunciando que seus funcionários poderiam continuar trabalhando de forma remota após o fim da pandemia — tenho a certeza de que outras pessoas se encontram na mesma situação de não terem seu próprio espaço dedicado exclusivamente ao trabalho dentro de casa.

E como eu expliquei no meu livro sobre a história social do escritório dentro casa, historicamente, são as mulheres que têm de procurar locais alternativas para trabalhar.

O surgimento da ‘chamber room’

Para entender melhor a natureza improvisada do espaço de trabalho em casa — e por que esses espaços geralmente são influenciados pelo gênero — é importante compreender como o escritório doméstico surgiu como um espaço distinto.

No século 18, três esferas distintas de atividades domésticas começaram a surgir na classe média e em residências de famílias ricas. Havia uma área social para os convidados, com salas de jantar e de estar; uma zona de serviços, que incluíam a cozinha, a adega e a área de lavanderia; e uma área para dormir, a parte mais privada da casa.

O que agora nós conhecemos como o escritório de casa surgiu de cômodos genericamente chamados de “chamber” que eram utilizados por mulheres e homens antes do século 19. A maioria desses cômodos foram rotulados posteriormente como “quartos” nas plantas de construtores. Entretanto, começando no século 19, alguns desses espaços representados nas plantas baixas passaram a ser chamados de bibliotecas, salas de estudo e escritórios.

Ao fim do século 19, a sala de estudo se tornou primariamente um espaço reservado para profissionais do gênero masculino conduzirem seus negócios em casa, perseguirem uma vida acadêmica e receber amigos. Por exemplo, religiosos, mercadores e doutores precisavam de uma sala de estudo ou de uma “sala de entrevistas” porque fazia sentido que seus trabalhos fossem conduzidos de casa.

A sala de estudo costumava a ser separada das zonas privadas da casa e se encontrava o mais perto possível da porta de entrada — na zona social — para manter a privacidade familiar.

No início do século 20, no entanto, a sala de estudo desapareceu da maior parte das casas da classe média, que ficaram menores, permanecendo apenas nas casas construídas para profissionais da classe média alta, profissionais do meio criativo e para ricos.

Vendendo a ideia de trabalhar de casa

Mesmo que a sala de estudo fosse um espaço masculino de lazer e de trabalho ocasional, a casa era vista — e defendida — como um lugar que fomentava a vida familiar.

As empresas que vendiam materiais de escritório enxergaram a casa como um mercado inexplorado. Tudo o que eles precisavam era convencer os americanos que trabalhar em casa era algo conveniente. Por meio de propagandas, essas companhias encorajaram americanos a criar espaços reservados ao trabalho que precisavam ser devidamente decorados com equipamentos de escritório.

Por exemplo, em 1921, Remington Rand começou a comercializar máquinas de escrever portáteis com anúncios que pregavam a ideia de flexibilidade e a possibilidade de trabalhar do conforto de casa. Na década de 1950, a Bell Telephone se juntou a construtores de casas de classe média para comercializar a instalação de linhas de telefone adicionais como forma de combinar trabalho e lazer sob o mesmo teto.

Quando os computadores substituíram as máquinas de escrever, empresas de informática como a Apple e a IBM direcionarem seus anúncios para profissionais, descrevendo seus produtos como ferramentas que permitiram a comunicação à distância, administração de um negócio fora de casa ou a facilitação do dever de casa para suas crianças.

Espaços separados mas desiguais

À medida que essas tecnologias começaram a aparecer em mais casas, as famílias passaram a questionar onde colocá-las.

A cultura pop ofereceu alguns modelos. Na sitcom “Leave It to Beaver”, a sala de estudo do pai, Ward Cleaver, é equipada com estantes de livros, um globo, duas cadeiras de couro, uma mesa e um telefone. É o lugar onde Ward ocasionalmente trabalha à noite e relaxa ao longo do fim de semana.

Naquela época, entretanto, a maior parte das casas de classe média não tinham uma sala de estudo.

Além disso, durante o período pós-guerra, companhias de máquinas de escrever e de telefones não direcionavam suas propagandas apenas para homens. Elas também procuravam incentivar mulheres de classe média a usar seus produtos para organizar tarefas como correspondência com escolas, corretores de seguros e doutores, além de manter um registro familiar e pagar as contas. Entretanto, diferentemente do que era mostrado para os homens, os espaços de trabalho das mulheres em propagandas, jornais e na televisão eram retratados como uma mesa na cozinha ou uma escrivaninha no quarto principal. Raramente, quando nunca, elas tinham o próprio espaço.

Onde colocar o equipamento de escritório era outro problema. Colocá-los no quarto principal interferia na função ideal do quarto: de intimidade e relaxamento. Um computador na sala de estar competia com a televisão, enquanto o equipamento de escritório na cozinha ou na sala de jantar impediria a capacidade de trabalhar sem ser interrompido por outro membro da família. Por esses motivos, anúncios e revistas de informática na década de 1980 passaram a recomendar novos espaços dedicados exclusivamente ao computador, como escritórios em casa ou uma “sala do hobby”.

O escritório caseiro funciona bem como uma sala quieta para concentrar e trabalhar, mas em casas que tem um — e quando ambos parceiros estão em casa, o que é cada vez mais comum — o espaço geralmente é reservado ao homem.

No final, o investimento em publicidade dessas empresas teve êxito. Muitos de nós já trabalhávamos em casa antes da pandemia, e, desde que escritórios ao redor do país fecharam, o número de trabalhadores que aderiu ao home office cresceu. Mas nós ainda enfrentamos os mesmos problemas do passado, com muito trabalho e pouco espaço para realizá-lo — e, nessa, as mulheres levam a pior.

*Publicado originalmente em The Conversation, em inglês. Traduzido por Daniel Vila Nova

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