Reprodução em alta velocidade em Podcasts e Youtube — Gama Revista

Sociedade

Duas vezes mais conteúdo em metade do tempo

© Getty Image

Consumir podcasts e vídeos em alta velocidade tem se tornado cada vez mais popular. Mas quando a voz distorcida e uma enxurrada de palavras por minuto realmente valem a pena?

Daniel Vila Nova 14 de Julho de 2020

A cada ano que passa, mais e mais séries de TV são produzidas. Em 2010, cerca de 200 programas foram encomendados nos Estados Unidos. Já em 2019, foram mais de 500 — um aumento de 7% se comparado ao ano de 2018.

Durante a quarentena, o consumo de mídia digital aumentou no Brasil. Entretanto, com cada vez mais conteúdo sendo produzido, consumir tudo parece cada vez mais difícil. A pergunta que ecoa é “como vou arranjar tempo pra tudo isso?”. Para alguns, a resposta já existe: reproduzir mídias em velocidades alteradas.

A ideia pode parecer estranha em um primeiro momento, as vozes finas e aceleradas acompanham efeitos sonoros apressados e uma trilha sonora que perde toda sua nuance.

Mas as vantagens oferecidas são tentadoras, podcasts de uma hora se transformam em trinta minutos, e aquele entrevistado sonolento parece ter tomado uma boa xícara de café.

Quando se escolhe assistir algo, você se condiciona ao tempo e ao tipo de filme, firmando um contrato de narrativa que exige que você se submeta ao ritmo proposto

A prática não é nova, mas vem ganhando cada vez mais adeptos. De acordo com a PodPesquisa de 2018, realizada pela rádio CBN e pela ABPod (Associação Brasileira de Podcasters), 11% dos participantes da pesquisa consomem podcasts em velocidades alteradas.

Mas não são todos que apoiam o costume. Após a Netflix liberar o teste de uma ferramenta que permite acelerar a reprodução do aplicativo, no final de 2019, atores e diretores se pronunciaram contra a decisão. Nomes como Peter Ramsey, Judd Apatow e até mesmo astros da casa, como o ator Aaron Paul, expressaram sua preocupação nada amistosa com a decisão da Netflix.

Para Marcelo Hessel, editor do site Omelete, assistir de maneira acelerada não faz parte de uma real experiência cinematográfica. “Quando se escolhe assistir algo, você se condiciona ao tempo e ao tipo de filme, firmando um contrato de narrativa que exige que você se submeta ao ritmo proposto.”

Hessel defende que a Netflix não está pensando na qualidade de exibição dos filmes quando propõe a mudança, e sim na relação da marca com seus consumidores. “Se os filmes e séries passam mais rápidos o assinante é exposto a uma variedade maior de conteúdo e a Netflix ganha com isso”, diz.

A vice-presidente de inovação de produtos da empresa, em nota oficial publicada nessa mesma época (2019), explicou os motivos que levaram o serviço a oferecer um teste da ferramenta que permite a alteração de velocidade. Segundo Keela Robison, a Netflix tem o costume de testar novas ferramentas que podem melhorar o serviço e garante que a empresa está também ouvindo as preocupações dos cineastas.

De acordo com a nota, não há planos para que a ferramenta seja definitivamente implementada a curto prazo e que sua adoção dependerá do feedback recebido.

Robison ainda afirma que a ferramenta de aumento de velocidade existe desde os tocadores de DVD, e que a prática pode auxiliar pessoas que desejam rever sua cena favorita ou assistir a um filme mais devagar, para que se possa compreender melhor.

Mais rápido, por favor

Ao mesmo tempo, como lembra Hessel, enquanto a proposta do cinema é de imersão, um podcast ou um vídeo de YouTube podem ter função jornalística ou pedagógica e a mudança de velocidade não necessariamente prejudica o conteúdo. Aplicativos como o Spotify permitem que podcasts tenham sua velocidade alterada, mas a opção ainda não existe para músicas.

Calvin Jiang, CFO do Castbox, um dos maiores agregadores de podcasts do mundo, revela a Gama que a função de alterar a velocidade foi um pedido dos usuários, prontamente atendidos pela empresa chinesa. O diretor financeiro consome podcasts a 1,5x, mas conta que não faria o mesmo com filmes e séries.

“Como não há nenhum aspecto visual em podcasts, a velocidade permite a digestão mais veloz da informação. Você não perde nada indo mais rápido, só ganha eficiência”, acredita. “No Castbox, a maioria dos usuários têm de 25 a 34 anos, são trabalhadores assalariados altamente instruídos e que querem aprender algo novo”.

Um podcast ou um vídeo de YouTube podem ter função jornalística ou pedagógica e a mudança de velocidade não necessariamente prejudica o conteúdo

 

Levando em conta a diferença de velocidade entre a leitura na cabeça do leitor e a narração de outra pessoa, os cientistas norte-americanos Raymond Pastore, da Universidade da Carolina do Norte de Wilmington e Albert D. Ritzhaupt, da Universidade da Flórida, produziram um artigo em que indicam que o aumento de velocidade não atrapalha a compreensão do conteúdo em áudio.

De acordo com Pastore, o ideal é ouvir com a velocidade alterada até 1,5x. “É possível ouvir ou assistir um vídeo de 10 minutos em 7,5 minutos, mas você acaba perdendo a direção artística”, diz.

Na pesquisa, eles apontam que a média de velocidade de leitura silenciosa de um ser humano é de 275 a 300 palavras por minuto. A fala humana média contém cerca de 150 palavras por minuto, o que, segundo o estudo, abre uma janela para a adição de outras 150 palavras sem o comprometimento da compreensão. Acima disso, a compreensão fica mais difícil.

Apesar dos estudos sobre o assunto, Raymond tem ressalvas relacionadas à prática: “É ótimo para documentários e outros materiais educativos, mas em alguns casos pode prejudicar a mensagem que o diretor quis passar para o público. Na minha casa, filmes e séries são reproduzidos em velocidade normal”.

Quer mais dicas como essas no seu email?

Inscreva-se nas nossas newsletters

  • Todas as newsletters
  • Semana
  • A mais lida
  • Nossas escolhas
  • Achamos que vale
  • Life hacks
  • Obrigada pelo interesse!

    Encaminhamos um e-mail de confirmação