Conheça seis projetos de arquitetura que pensam na coletividade — Gama Revista
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Ilustração: Isabela Durão / Foto: Cristobal Palma

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Semana

O mundo ao redor

Uma nova geração de arquitetas e arquitetos idealiza espaços coletivos a partir das relações sociais e culturais e dos recursos disponíveis no ambiente. Gama apresenta seis projetos dessa cena

Mariana Payno 11 de Outubro de 2020
Ilustração: Isabela Durão / Foto: Cristobal Palma

O mundo ao redor

Uma nova geração de arquitetas e arquitetos idealiza espaços coletivos a partir das relações sociais e culturais e dos recursos disponíveis no ambiente. Gama apresenta seis projetos dessa cena

Mariana Payno 11 de Outubro de 2020

Ainda em meados do século passado, a arquiteta italiana radicada no Brasil Lina Bo Bardi cravaria uma de suas célebres máximas sobre a profissão: “a arquitetura é um meio para alcançar objetivos coletivos”. Muitas décadas separam o início da carreira de Lina dos primeiros rascunhos de jovens arquitetos que começaram a desenhar na virada do milênio ou bem depois disso — de lá para cá, esse olhar sobre a esfera coletiva foi se potencializando. Mais do que se preocupar com as chamadas “pré-existências”, aquilo que estava ali no ambiente antes de o projeto ser implantando, uma nova geração de profissionais tem aguçado a própria percepção para as questões sociais, culturais e climáticas dos espaços a serem ocupados.

“A sensibilidade em relação ao entorno é uma prerrogativa da arquitetura desde sempre. O que esses projetos que a gente tem tentado fazer realizam de novo é uma sensibilidade mais intensa, o que quer dizer que a obra não se dá a partir de uma tábula rasa: estamos tentando entender a inteligência dos lugares e atuar dentro dessa lógica, obviamente desviando um pouco a dinâmica das coisas ao promover uma intervenção”, explica Pedro Varella, um dos sócios do escritório carioca Grua.

Dentro dessa mentalidade, aquilo que já está construído — assim como as matérias-primas e as técnicas locais, muitas vezes descartadas por uma visão de progresso industrial — ganha protagonismo. “Hoje o que se entende é que a diversidade precisa ser contemplada. Cada projeto é uma nova pesquisa: não é só replicar uma mesma solução, mas entender materiais e pessoas, para que ele funcione de forma muita precisa e como uma coisa viva”, completa o arquiteto Gustavo Utrabo.

Varella e Utrabo são parte dessa cena da arquitetura brasileira contemporânea que valoriza as dinâmicas coletivas e aproveita o que há de singular nos lugares onde cada novo projeto abarca. A seguir, Gama apresenta as obras dos dois e de outras arquitetas e arquitetos que têm pensado o ofício da mesma forma.

© Cristobal Palma

Uma escola para morar e imaginar

Projeto do arquiteto Gustavo Utrabo em Formoso do Araguaia (TO)

Em uma zona afastada de um pequeno município do Tocantins, o acesso à escola pode ser um desafio: grandes distâncias e estradas ruins separam alunos e professores. Por isso, algumas instituições funcionam em regime de internato: as crianças moram durante a semana no lugar em que estudam — caso da comunidade de Canuanã, onde Gustavo Utrabo instalou o seu Moradas Infantis: a ideia era justamente construir um espaço de moradia para os 800 alunos da escola-internato mantida ali pela Fundação Bradesco.

Em parceria com os colegas Pedro Duschenes, Adriana Benguela e Marcelo Rosembaum, Utrabo caprichou na empreitada, finalizada em 2017. O projeto levou dois prestigiosos prêmios Riba e uma série de outros troféus nacionais e internacionais, como o Achdaily Building of The Year, o APCA e o AkzoNobel, do Instituto Tomie Ohtake. O conceito, no entanto, nasceu de algo aparentemente elementar: o olhar cuidadoso para os pequenos habitantes. “Partimos de uma tentativa de entender as pré-existências: as crianças, suas individualidades e as demandas como grupo”, explica o arquiteto.

É uma pesquisa que passa necessariamente pelo recordar afetivo da casa dos pais e dos avós. Um arquiteto em visita, porém, repara em outras questões. “Grande parte deles mora em casas de adobe e estrutura de madeira, e isso é visto como algo relacionado à pobreza, mas na verdade é uma casa extremamente sustentável, com temperatura interna mais cômoda e uso de matéria-prima local com baixo impacto na cadeia construtiva. São casas eficientes”, diz Utrabo.

Um dos grandes trunfos do projeto foi recuperar esse saber de uma “arquitetura vernacular” e, a partir dela, pensar uma nova maneira de construir — o desenho moderno e funcional ganhou vida em uma estrutura de madeira e tijolos feitos do barro local. O outro foi entender os significados do edifício naquele ambiente, para além da mera função da habitação. “As moradas são grandes espaços de sombra, e pensar a sombra em um país tropical é uma coisa essencial”, defende o arquiteto.

O generoso e sombreado espaço livre faz as vezes de um corredor por onde a imaginação pode fluir e, assim, inventar novos usos, como o de um espaço de ginástica alternativo à quadra poliesportiva — foi assim que as alunas conquistaram novas aulas de educação física junto à diretoria. “Antes não havia um lugar de conforto para brincar; gerar sombra nesse calor agressivo possibilitou uma nova vivência espacial, de liberdade.”

© Grua

Uma bica que desemboca do MAR na Praça Mauá

Projeto do escritório Grua no Rio de Janeiro (RJ)

Tantas coisas aconteceram em 2020 que a crise hídrica do começo do ano no Rio de Janeiro parece ter ficado esquecida na memória. Inaugurado há pouco mais de um mês, como parte da exposição “Casa Carioca”, do MAR (Museu de Arte do Rio), um projeto do escritório Grua evoca essa lembrança. “Criamos um caminho de descida para a água da caixa do museu, captada na represa do Rio Guandu +, de modo que o público possa ver essa linha d’água que desce até o térreo. Depois, transborda para fora e se implanta na calçada da Praça Mauá na forma de uma bica que oferece água potável e gratuita para a população”, explica Pedro Varella.

A ideia, segundo ele, é provocar um “sutil desvio em um sistema já existente” — no caso, o de abastecimento de água —, justamente para deixar mais evidente como esse sistema funciona. “A população tem muito pouco contato com a dinâmica necessária para abrir a torneira e sair água. Parece banal, mas existe uma infraestrutura supercomplexa por trás disso. O que a gente resolveu fazer é lançar luz sobre essa dinâmica”, diz.

Se no plano original essa relação das pessoas que visitam o museu com as entranhas do edifício já estava em jogo, na pandemia a questão ganhou outros contornos. A princípio, a torneira seria instalada dentro do prédio do MAR, mas os arquitetos resolveram levá-la para fora, criando uma nova dimensão de interação com o entorno. “Isso parte de uma observação de que existe, na Praça Mauá, uma enorme quantidade de moradores em situação de rua, e essas pessoas precisam de água para se manterem saudáveis”, afirma Varella. “É um olhar para além do contexto construído, também passa pelo contexto sociopolítico e econômico.”

A bica vai ficar na calçada do museu por pelo menos dez meses, enquanto durar a exposição, mas pode ser que sua permanência por ali seja estendida. O projeto dialoga com outros trabalhos do Grua, em geral relacionados a um cenário artístico e cultural. Dois que fizeram sucesso com o público foram a criação de uma rampa de acesso ao telhado do Museu de Arte Contemporânea de Niterói, projetado por Oscar Niemeyer, em 2017; e a instalação “A Praia e o Tempo”, no Festival Internacional de Artes Cênicas Rio de Janeiro de 2018. “Esses três projetos tentam entender onde está o léxico de operações do lugar e recombinar elementos que já existem, mas de uma maneira excepcional.”

Quase sempre a duração das empreitadas é calculada — o que Varella também considera uma maneira de a arquitetura se integrar com o ambiente de forma mais ampla. Mesmo que as instalações do Grua sejam desmontadas depois de um tempo, como eles usam estruturas pré-existentes à obra, “esses elementos que se recombinam durante o trabalho, depois se espalham pela cidade, voltam a exercer outras funções”. “Em um mundo onde se produz tanto lixo, é um esforço de tirar partido de energias já gastas para fazer novas coisas”, defende.

© Estúdio Flume

Uma cooperativa para fazer castanhas e reunir a turma toda

Projeto do escritório Estúdio Flume no povoado Nova Vida, em Bom Jesus das Selvas (MA)

Para as mulheres que torram castanhas na comunidade de Nova Vida, no Maranhão, o espaço de trabalho pode ser também um lugar de interação com os filhos, os netos e as outras pessoas do povoado — coisa que os arquitetos Christian Teshirogi e Noelia Monteiro, do Estúdio Flume, perceberam ao idealizarem a reforma de uma cooperativa de seis trabalhadoras. “A gente não quis fazer uma construção voltada só para a unidade produtora, mas aberta como um espaço de convívio, como se fosse uma praça”, explica Teshirogi.

Só é possível aflorar esse tipo de sensibilidade mergulhando nas dinâmicas sociais e culturais do local — um jeito de trabalhar que já rendeu à dupla importantes prêmios nacionais e internacionais, como o Call for Solutions, da Fondazione Giacomo Brondolini, e o Tomie Ohtake AkzoNobel. Além das relações afetivas, a partir das quais eles pensaram em uma ampliação do lugar para abrigar esse ambiente de trocas coletivas, os sócios do Flume tiveram que entender como seria o dia a dia das mulheres com as castanhas por ali. “O interessante é ir além do imóvel e trazer um ganho para o processo produtivo: um fluxograma com entrada e saída, higienização, forno adequado”, diz o arquiteto.

Nesse processo, ele e Monteiro descobriram nos métodos artesanais e na matéria-prima utilizada localmente bons aliados. “Não adianta nada pensar na materialidade do projeto aqui da nossa sede em São Paulo. Na medida do possível, tentamos assimilar técnicas e materiais e capacitar os agentes do lugar para que a palavra sustentabilidade não seja em vão”, defende Teshirogi. Não à toa, os saberes que circulam por ali têm sua razão de ser: elementos vazados, como os tijolos incorporados ao prédio, por exemplo, garantem a ventilação do ar e o frescor em uma região quente e úmida o ano todo.

“Algumas dessas técnicas vão sendo estigmatizadas porque se vinculam a uma ideia de progresso e de poder de compra de materiais industrializados, só que muitas vezes elas foram se construindo ao longo da história porque já têm um conforto climático, ventilação natural, áreas constantemente sombreadas”, observa Noelia Monteiro. Segundo ela, se aproximar da comunidade é uma forma de resgatar esses conceitos, aliando-os depois ao conhecimento técnico da arquitetura “acadêmica”.

A vantagem de envolver os habitantes na elaboração do projeto, para os arquitetos do Flume, é criar um aprendizado em via de mão dupla — o que também faz com que a obra ganhe outras vidas, para além daquela construção, depois de concluída. “São eles que dominam as técnicas e que vão vivenciar isso diariamente, então aprendemos muito”, diz Monteiro. “Ao mesmo tempo, o processo faz com que a gente plante uma sementinha para que eles consigam replicar isso depois nas próprias residências, com recursos que estão ao alcance.”

© Terceira Margem

Uma biblioteca feita de livros e de plantas

Projeto do escritório Terceira Margem na Comunidade de São Benedito (AP)

O que começou como uma demanda prática de reforma de uma pequena biblioteca, assolada pelo calor e pela umidade da região amazônica no Amapá, acabou ganhando traços oníricos: mais do que resolver os problemas de infraestrutura, o escritório Terceira Margem idealizou, junto à Comunidade de São Benedito, um lugar para abrigar não só o conhecimento guardado dentro dos livros, mas o saber ancestral escondido em meio a plantas medicinais, ornamentais, frutíferas. Na prática, um projeto de dois edifícios cercados por passarelas de jardins. “É uma biblioteca que imagina outros modos de ler, deitando no chão, cheirando a chuva, sentindo o vento na pele”, explica a arquiteta Iazana Guizzo.

As obras, que contaram com a parceria da ONG Vagalume e do escritório Matéria Base (veja mais abaixo), começaram no ano passado e foram interrompidas; primeiro, pela temporada de chuvas no verão e, logo em seguida, pela pandemia. Mas a parte essencial da dinâmica de trabalho do Terceira Margem — a construção coletiva da ideia a ser colocada de pé — já aconteceu. Especialista em processos participativos na arquitetura e autora de um livro sobre o tema, Guizzo desenvolveu e aplica no escritório uma metodologia que evoca os desejos subjetivos e coletivos das pessoas envolvidas.

“A pergunta central é: qual mundo queremos habitar?”, explica. “Nosso trabalho é uma espécie de reconexão dos corpos com a própria experiência de habitar a terra. A ideia é acionar na gente o que é inumano, nosso inconsciente, desejos que ficaram soterrados.” Em vez de uma conversa burocrática, a preparação do projeto passa por oficinas sensoriais — aquelas para tirar o sapato, deitar no chão, tocar no outro, sentir os elementos naturais — e de pesquisas profundas do modo de viver dos moradores do lugar, sejam eles um casal num pequeno apartamento ou uma comunidade inteira em uma vila.

Exatamente o que foi feito em São Benedito: adultos, crianças, idosos, todo mundo participou. “E aí surgem imagens de quando a gente se sente de fato conectado com algo maior do que o dia a dia pragmático. A biblioteca que quero habitar dá frutos gostosos, dá para sentir o cheiro de chuva”, afirma a arquiteta. “É uma recuperação parcial do que restou da terra e das nossas subjetividades.” Por isso mesmo, aliás, é que o processo não acontece sem conflitos — afinal, não é fácil entrar em contato com esse lado intuitivo e ancestral quando estamos imersos em uma lógica de pragmatismo e progresso. “É uma disputa de imaginário.”

De qualquer forma, dessa dinâmica meio abstrata saem as ações concretas. “Primeiro, começamos a fazer um levantamento do território, que tinha muitas plantas. Fomos catalogando e percebemos que o saber do livro da biblioteca era um saber muito importante, mas que havia um outro saber que se dava pelas plantas”, conta Guizzo. Foi assim que nasceu a ideia de cercar os prédios da biblioteca com jardins. No fim, diz a arquiteta, o trabalho do Terceira Margem é transformar as demandas padrão em algo mais mágico — que leva em conta a singularidade de cada ambiente. “A demanda do projeto nunca está dada, mas precisa ser criada: de uma biblioteca comum fomos para uma outra ideia de biblioteca.”

© Alan dos Anjos

Uma casa de muitos usos que conta a história de Salvador

Projeto do coletivo Mouraria 53 em Salvador (BA)

Quando, em 2017, o coletivo Mouraria 53 começou a reformar o imóvel que hoje habita no centro histórico de Salvador, a casa parecia aquela muito engraçada de Vinicius de Moraes: sem teto, sem chão e sem nada. “Durante o primeiro ano era uma ruína”, conta o arquiteto Pedro Alban. Antes mesmo de se formar na Universidade Federal da Bahia, foi ele que capitaneou o projeto, único da região nordeste a integrar a XII Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo em 2019: inspirado pelo escritório equatoriano Al Borde — conhecido por iniciativas participativas e de baixo custo —, onde passou um mês, Alban propôs reformar o imóvel da família, com a contrapartida de ocupar o lugar durante quatro anos.

Praticamente abandonada por mais de uma década, a casa foi ganhando não só nova cara como novas companhias — e uma à semelhança das outras. Por ali passaram diversos amigos, alguns integrantes do coletivo desde o início, outros de maneira temporária. Todos colocaram a mão na massa e cada um tinha um propósito diferente com o lugar, o que fez com que o projeto fosse se adaptando a esses diferentes usos, chegando a mais de 30 versões. “Isso foi uma das coisas que começou a mudar a casa, porque ela foi se moldando às pessoas que estavam envolvidas”, diz Alban.

Assim, sobre uma infra-estrutura básica, eles reconstruíram os espaços cômodo a cômodo para receber shows, exposições de arte, aulas de ioga e até pacientes de atendimento psicológico. Na pandemia, com a parada dos eventos, adaptaram uma área como apartamento, onde agora mora uma pessoa, e outra para receber uma editora, cujo escritório vai funcionar ali num futuro próximo. A seis meses de completar os quatro anos do acordo com os proprietários, algumas partes da casa ainda não começaram a ser reformadas.

Mas tudo bem. Primeiro, porque o coletivo planeja continuar ali, pagando aluguel, depois desse período. Segundo, porque foi nessa relação com os usos reais e cotidianos, quase simultâneos às obras, que o grupo passou a pensar o projeto como um elemento vivo, nunca considerado pronto. “O fato de não estar concluído faz com que a gente sempre enxergue possibilidades, não existe a ansiedade de ver algo fechado. Nós vamos complementando aos poucos conforme vai sendo demandado”, explica o arquiteto Rodrigo Sena.

Nessa caminhada, não só a história das pessoas que ocupam o imóvel da porta para dentro influe nos rumos das obras: os materiais utilizados na reforma vieram dos quatro cantos de Salvador, quase tudo por meio de doações, trocas e reciclagem — lembremos que parte do conceito importado de Al Borde é a redução dos custos. Mais do que isso, além de representar uma investida sustentável, esse esforço protege a memória da cidade, segundo Alban. “Um dos nossos interesses é preservar algumas coisas, muitas vezes ligadas a uma mão de obra que está desaparecendo, como janelas de madeira, um tipo de grade mais antiga.” E assim a casa do Mouraria 53 vai se materializando como um lugar em que os usos dos espaços, de ontem e de hoje, se encontram.

© Matéria Base

Um centro feito de terra para os trabalhadores do campo

Projeto do escritório Matéria Base em Nova Friburgo (RJ)

Fazer com a própria terra um lugar para se habitar é um conceito arquitetônico bastante poético — mas também sustentável e funcional, já que o material é um ótimo isolante térmico, em um planeta cada vez mais aquecido. Expert em projetos de construção com terra, Fernando Minto, do escritório Matéria Base, sabe bem disso e entende a relação com o ambiente a partir desse nível de complexidade: muitas vezes, é do próprio canteiro de obras que sai a matéria-prima de suas criações. Esse é o caso da sede do núcleo social do Instituto Araticum, organização de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, que agrega trabalhadores rurais especialistas em permacultura.

Colocado em prática entre o ano passado e este, o projeto nasceu basicamente do que o sítio tinha a oferecer: a estrutura em taipas de pilão usou a terra do próprio lugar, e os agricultores trabalharam ombro a ombro com os arquitetos. Afinal, também fazia parte da ideia capacitá-los para a construção civil. “O projeto foi pensado de modo a criar o mínimo de impacto no local e o máximo de integração dos atores, para criar novas relações de trabalho, porque eles estão montando também uma cooperativa de construtores, junto com a produção rural”, explica Minto. “Com poucos recursos para além da terra que eles têm ali, construímos tudo, então todas as pessoas envolvidas têm condições de replicar essas práticas depois desse processo de formação.”

Embora parta desse princípio de simplicidade, a obra foi pensada cuidadosamente, aliando as demandas dos trabalhadores do lugar com regras da arquitetura per se. “Tem desenho, composição, proporção, é bonito, confortável, com alta inércia térmica. Mas tudo isso sem cair na armadilha do mercado que aprisiona ao replicar estruturas padrão em um processo que exige outros instrumentos e profissionais”, diz o arquiteto. Para ele, não faria sentido reproduzir a lógica da cidade nesse tipo de projeto. “Tudo está ligado ao imbricamento dos recursos naturais do próprio sítio e da organização do trabalho do campo.”

Um processo com muita troca envolvida: ao mesmo tempo em que organizou oficinas de construção com terra, Minto apreendeu as dinâmicas do Instituto Araticum para adaptar o projeto da melhor forma àquele local. E isso, segundo ele, não envolve apenas decisões técnicas, mas o acesso a outras instâncias que podem influenciar no andamento das obras. “A gente gosta de abrir a possibilidade de evocar instituições simbólicas: afeto, religião, família, política. Assim, coletivizamos o trabalho a partir de novas relações.”