"Use filtro solar": um hit na voz de Pedro Bial — Gama Revista
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Use filtro solar

Na voz de Pedro Bial, há quase 20 anos um vídeo viralizou ao trazer lições de vida, de envelhecimento e ao indicar a proteção contra os raios ultravioleta. Gama entrevistou a autora do texto que grudou na cabeça dos brasileiros

Leonardo Neiva 10 de Janeiro de 2021
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Use filtro solar

Na voz de Pedro Bial, há quase 20 anos um vídeo viralizou ao trazer lições de vida, de envelhecimento e ao indicar a proteção contra os raios ultravioleta. Gama entrevistou a autora do texto que grudou na cabeça dos brasileiros

Leonardo Neiva 10 de Janeiro de 2021

“Senhoras e senhores da turma de 2003. Filtro solar, nunca deixem de usar filtro solar. Se eu pudesse dar só uma dica sobre o futuro, seria esta: use filtro solar. Os benefícios a longo prazo do uso de filtro solar estão provados e comprovados pela ciência. Já o resto de meus conselhos não tem outra base confiável além de minha própria experiência errante.”

Quem viveu o início dos anos 2000 deve lembrar das frases declamadas por um Pedro Bial então apresentador do “Big Brother Brasil”. A elas, segue uma série de conselhos de todos os tipos sobre a vida. Coisas como “aproveite a beleza da juventude”, “não se preocupe com o futuro”, “use fio dental”, “seja cuidadoso com os joelhos” e “dedique-se a conhecer os seus pais” porque “é impossível prever quando eles terão ido embora.”

"Aproveite o poder e a beleza da sua juventude. Você não é tão gordo quanto imagina."

Seja pelo videoclipe, veiculado no último programa “Fantástico” de 2003, seja pelas rádios que pisaram e repisaram a mensagem, difícil encontrar alguém que não tenha se sentido inspirado por essas lições sobre vida, envelhecimento e proteção contra os raios ultravioleta.

As palavras, aliás, são praticamente as mesmas que muitos americanos receberam em seus e-mails num dia de 1997, rotuladas como um discurso de formatura do famoso escritor americano Kurt Vonnegut (1922-2007). Ao mesmo tempo, em sua mesa na redação do jornal Chicago Tribune, a jornalista Mary Schmich foi bombardeada por mensagens com perguntas sobre esse mesmo texto. O motivo? Ele era idêntico a uma coluna que Schmich tinha publicado meses antes.

"Não se preocupe com o futuro. Faça todos os dias algo que te dá medo."

Na época, a internet ainda dava seus primeiros passos, e o e-mail tinha acabado de sair do forno para muita gente. O texto foi uma mensagem que “viralizou” bem antes de o termo sequer existir. Quanto ao responsável por compartilhá-lo sob o nome de Vonnegut, não se sabe até hoje. O que se sabe com certeza é que as palavras são sim de autoria de Schmich. “Quando ficou claro que não era dele, e sim meu, virou uma história diferente, sobre como as pessoas podiam compartilhar informações falsas usando a internet”, explica a jornalista de 66 anos, que recebeu um Pulitzer em 2012.

O sucesso foi tão grande que chamou a atenção do diretor de cinema Baz Luhrmann lá na Austrália. Ele foi o responsável por musicar a mensagem, transformando-a num hit não só em sua terra natal, mas também nos EUA e na Europa — e mais tarde, é claro, no Brasil. O próprio Bial conta à Gama que, em 2002, foi atrás de Luhrmann para conseguir os direitos da música. A ideia era incluí-la num disco que estava ajudando a produzir, com a participação de famosos como Lázaro Ramos e Fernanda Montenegro.

“Nunca falei com a Mary, mas é um texto muito esperto, de alguém que observa muito a vida e a passagem do tempo. Você pode lê-lo a partir de qualquer lugar que ele faz sentido, não precisa começar do início. De onde você pegar, ele te pega. E tem muitos recursos publicitários, usa frases e pensamentos curtos, como slogans. Dali, alguma coisa vai valer para você.”

Para o jornalista, o texto musicado funciona como um “Prozac sonoro”, que ajuda a levantar o humor. Pessoalmente, o trecho que mais o fez rir tinha a ver com os joelhos. “Tenho o joelho todo estuporado por causa do basquete, sem meniscos, ligamentos, nada disso. Aliás, cuide bem dos seus joelhos.”

"Cante. Consuma bastante cálcio. Aproveite seu corpo. Use-o de todas as formas que puder."

Depois de mais de duas décadas de sua primeira publicação, são também inegáveis o impacto e a longevidade de “Filtro Solar”. Em abril deste ano, Luhrmann lançou em seu Instagram uma nova versão, focada na importância de se prevenir do coronavírus, usando um discurso da rainha Elizabeth II sobre o tema. Em 2018, Bial também revisitou o hit, para fazer um manifesto a favor dos livros.

Para falar sobre o texto que rodou o mundo, ninguém melhor que sua autora, Mary Schmich, que conversou com a Gama sobre o tortuoso caminho que sua coluna enfrentou até o sucesso, além da importância de usar filtro solar e da dificuldade crônica do ser humano para entender conselhos.

"Trabalhe duro para construir pontes geográficas e de estilo de vida. Os preços vão subir"."
  • G |Quando foi a última vez que você leu o texto da coluna? Já sabe ele de cor depois de todos esses anos?

    Mary Schmich |

    É uma pergunta interessante. Eu não o releio por mim mesma, mas sou entrevistada sobre ele constantemente, então isso me incentiva a escutá-lo e lê-lo de novo.

  • G |Já faz algum tempo, mas você se lembra de onde estava quando teve a ideia para a coluna?

    SM |

    Na verdade, eu me recordo vividamente, porque tudo que aconteceu em seguida marcou aquele período no meu cérebro. Eu vivo em Chicago, perto do lago Michigan, e tinha o costume de caminhar até o escritório. Numa sexta-feira de finalzinho de maio, estava andando ao longo do lago quando encontrei uma jovem tomando sol. Passei ao lado dela e lembro de ter pensado “Deus, espero que ela esteja usando filtro solar”. Porque, quando tinha a idade dela, eu não usava, e hoje dá para perceber. Foi então que tive a ideia de escrever uma coluna que fosse um falso discurso de formatura. Na época, tinha alcançado a idade em que tinha vontade dar conselhos aos jovens o tempo todo e queria rir um pouco de mim mesma. Então cheguei ao jornal, comprei um cappuccino, peguei um cacho de bananas, sentei e comecei a pensar sobre os jovens de 17 a 24 anos, do alto do que imaginava serem meus velhíssimos 42 anos de idade. Escrevi tudo em uma tarde e me lembro de ter gostado do que escrevi. Saiu no jornal de domingo.

  • G |Quanto tempo depois a coluna “viralizou”?

    SM |

    Alguns meses depois, numa outra sexta-feira, comecei a receber vários emails. O email ainda era uma coisa bastante nova na época, assim como a internet. Pelas mensagens, dava para saber que algo estranho tinha acontecido. Eram pessoas dizendo que receberam uma cópia do discurso do escritor Kurt Vonnegut para a formatura dos alunos do Instituto de Tecnologia de Massachussetts (MIT). Só que elas leram esse mesmo discurso na minha coluna. O que todo mundo queria saber era se eu tinha plagiado o discurso ou se o Kurt roubou minha ideia. Só que, claro, não era nem uma coisa nem a outra.

  • G |Sabe dizer como essa confusão aconteceu?

    SM |

    Não faço ideia, ninguém nunca descobriu o que aconteceu. Mas parte do motivo porque o texto se tornou tão relevante foi o nome de Kurt Vonnegut. Não sei o que ele significa no Brasil, mas é um dos grandes escritores americanos. Ele ainda estava vivo na época, era um herói cultuado por muita gente. Então a ideia de que ele escreveu aquilo, de que era algo profundo, fez com que as pessoas quisessem compartilhar. A internet era recente, essa era uma maneira completamente nova de compartilhar coisas. O termo viralizar nem existia, não havia Facebook nem Twitter. Hoje é difícil acreditar, mas o texto viralizou por email. E, quando ficou claro que não era dele, e sim meu, virou uma história diferente, sobre como as pessoas podiam compartilhar informações falsas usando a internet.

  • G |Você entrou em contato com o Vonnegut para falar sobre isso?

    SM |

    No dia em que recebi uma enxurrada de emails, percebi que tinha um problema em mãos. Quero dizer, o maior pecado que um jornalista pode cometer é o plágio, então precisava resolver isso antes que as pessoas achassem que eu tinha roubado o texto. Levei um dia inteiro para encontrar o telefone do Vonnegut. Ele estava em sua casa de férias nos Hamptons. Eu estava morrendo de medo, afinal era o famoso Kurt Vonnegut. Ele mesmo atendeu, e expliquei a situação. Aí ele começou a rir. “Ah, então foi você que escreveu.” Porque ele também tinha recebido uma série de mensagens sobre um discurso de formatura que sabia não ter escrito, só que não fazia ideia de quem era o verdadeiro autor.

  • G |E foi pouco tempo depois disso que Baz Luhrmann demonstrou interesse em fazer uma música com o texto?

    SM |

    Essa história passa por um caminho longo e tortuoso. Uma das pessoas que receberam o email com o suposto discurso do Kurt Vonnegut foi Anton Monsted, que hoje é um figurão na indústria musical. Ele levou o texto ao Baz, e os dois pensaram em fazer com que Kurt o lesse sobre um fundo musical que o diretor tinha usado em um de seus filmes. Então tentaram entrar em contato com o Kurt, e isso os trouxe até mim. Um dia, recebi uma mensagem de voz no telefone do Chicago Tribune, um sujeito com sotaque australiano dizendo: “Aqui é o Baz Luhrmann, sou um diretor de cinema da Austrália. Recebi este discurso de formatura e tive uma ideia para o material”. Aliás, uma palavra bem típica de diretor de cinema, material. Não tem nada a ver com jornalismo…

  • G |A música acabou virando um hit pelo mundo. Você recebeu algo por ela?

    SM |

    Ah, sim, eu recebi um pouco. Ninguém esperava que fosse explodir do jeito que aconteceu. Tecnicamente, se alguém fosse receber royalties, seria o Tribune, mas eles acabaram sendo bastante razoáveis comigo, assim como o Baz. Foi um hit na Austrália primeiro, e ninguém esperava que fosse além disso. Mas aí uma estação de rádio do Sul da Califórnia começou a tocar a música. Então outra rádio em Portland, Oregon, cortou dois minutos de música e deixou só o texto. Aí ela explodiu nos EUA, e só então chegou à Europa. Depois, acabou caindo no Brasil de alguma forma. Eu ainda tenho aqui em casa um caderninho com a tradução brasileira.

  • G |Você recebeu alguma comunicação ou pedido do Brasil antes de a música ser lançada aqui?

    SM |

    Não me lembro de ter recebido nenhum pedido do Brasil. A única coisa que recebi foi esse caderninho, que uma amiga que vive aí me enviou, com uma cópia da letra de “Filtro Solar”. Foi assim que fiquei sabendo. Já me mandaram também uma versão de Israel, traduzida para o hebraico. Uma das coisas mais estranhas sobre isso tudo é que eu não sou dona do texto, porque escrevi para o Chicago Tribune, que tem os direitos de tudo que eles me pagam para escrever. Mas foram muito bons em tentar me manter nessa história e não vender o texto para ninguém. Sabe, muita gente queria comprar os direitos, e eu disse não para quase todos. Tudo bem liberar para o Baz, mas jamais para um comercial de protetor solar.

  • G |Para você, o texto se associa de alguma forma ao verão? Era um dia ensolarado quando você o escreveu?

    SM |

    Era o começo do verão, mas eu vivo em Chicago, um lugar gelado. Ainda me lembro que o tempo naquela sexta-feira estava um pouco frio. Como em Chicago as pessoas são loucas para sair, quando esquenta um pouquinho elas já deixam suas casas para se esticar debaixo do sol. Então não escrevi pensando no verão, mas sobre dar conselhos. O filtro solar foi o que iniciou a ideia.

  • G |E hoje você usa filtro solar?

    SM |

    Na verdade, odeio filtro solar. Eu uso às vezes, mas em geral me preocupo mais em botar um chapéu na cabeça. Acho importante se proteger, mas cresci numa época em que não existia nem internet nem filtro solar. E, quando você é adolescente ou tem lá seus 20 anos, só quer sair e se bronzear. Eu vivia no Arizona, onde havia muitos lugares quentes e ensolarados. Todas nós passávamos óleo na pele e nos deitávamos, esperando ficar bronzeadas. Olhando para trás, percebemos que fizemos besteira, mas na época simplesmente não sabíamos. Hoje não há desculpa.

  • G |Você mencionou que frequentemente recebe pedidos de entrevista sobre essa coluna. Depois de todo esse tempo, não se cansou dela?

    SM |

    Eu ainda gosto. Me surpreende que ela tenha tido essa vida tão, tão longa. Ao mesmo tempo, me agrada saber que 700 palavras que saíram de mim numa tarde de sexta-feira conseguiram viajar ao redor do mundo e significar algo para as pessoas. Isso é muito gratificante e surpreendente.

  • G |Outras de suas colunas te comoveram da mesma forma?

    SM |

    Eu já escrevi literalmente milhares de colunas. E elas têm uma abrangência muito grande. Algumas são como esta, reflexões sobre a vida, mas outras são mais parecidas com reportagens, mais duras jornalisticamente. E todas elas significam algo para mim. Uma coisa que aprendi é que, quando você está trabalhando, é simplesmente incapaz de antecipar o efeito que aquilo terá sobre as pessoas. Você só tem que fazer o trabalho, certo? De vez em quando, o universo chega e pega alguma coisa que você escreveu para ele. Eu não conseguiria escrever de propósito algo para ter a mesma longevidade que essa coluna teve. É o acaso. Quem vai saber por que as coisas acontecem dessa forma?

  • G |Imagino que as pessoas te perguntem isso, mas você mudaria algum dos conselhos que escreveu na época? Ou acrescentaria alguma coisa?

    SM |

    É, as pessoas me perguntam isso. Minha tentação é dizer que não, porque ele existe como uma coisa contida em si mesma. Mas sim, eu queria ter feito um comentário sobre a necessidade de amar e cuidar de algo fora de si mesmo, cuidar da sua comunidade. Acho que é um elemento que está faltando, um cutucão para que as pessoas aprendam a buscar algo além das próprias vidas, um mundo maior. Mas não me pergunte como colocar isso numa frase.

  • G |Uma grande parte do texto é sobre a juventude aprender a viver o momento. Você acha que, nas últimas décadas, algo mudou? Os jovens aprenderam ou sabem ainda menos como aproveitar o que estão vivendo?

    SM |

    É uma pergunta muito vasta e vaga. Uma pessoa mais velha pode dizer aos mais jovens o que acredita que vai ajudá-los. O problema de dar e receber conselhos é que você não pode ouvi-los até estar pronto para eles. Não sei se isso faz sentido. Acho que todos nós temos que aprender sobre a vida por nós mesmos. Ao mesmo tempo, ajuda escutar palavras que plantem uma semente dentro de você. Digamos que, aos 12, você talvez não soubesse porque era importante conhecer melhor seus pais. Ainda assim, a ideia entrou em você, e gosto de pensar que, em algum lugar pelo caminho, ela vai brotar. Eu ainda recebo mensagens todos os dias sobre esse texto. Muitas pessoas me contam que tinham 15 ou 20 anos quando escutaram a música pela primeira vez. E que gostaram, mas não entenderam. Agora que elas têm 35 ou 40, já tiveram filhos, se divorciaram… agora que seus pais já morreram, elas entendem.

  • G |Então as pessoas só entendem de fato depois de enfrentar algo parecido com o que o conselho quer passar?

    SM |

    Ao mesmo tempo, acho que até as crianças têm uma espécie de pré-conhecimento sobre a vida e sobre como ela passa num piscar de olhos. Então, mesmo que não entendam completamente o que você diz, existe a possibilidade de tocá-las. Não estou falando do meu texto, mas de forma geral. Quando criança, há coisas que te tocam que você ainda não viveu, que ainda não entende, mas com as quais é capaz de se conectar. Uma espécie de intuição.

"Você também vai envelhecer."