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Sariana Fernández

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Reportagem

A busca pelo candidato perfeito

Transformações no modelo de recrutamento e seleção já vinham ocorrendo, mas a pandemia acelerou o passo. Além da seleção online, empresas buscam profissionais alinhados com sua cultura e identidade

Jiane Carvalho 27 de Junho de 2021
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Sariana Fernández

A busca pelo candidato perfeito

Transformações no modelo de recrutamento e seleção já vinham ocorrendo, mas a pandemia acelerou o passo. Além da seleção online, empresas buscam profissionais alinhados com sua cultura e identidade

Jiane Carvalho 27 de Junho de 2021

A pandemia, que exigiu a adoção de políticas de distanciamento social e home office, afetou diversos setores da economia em maior ou menor medida. As áreas de recrutamento de profissionais não ficaram de fora e tiveram seus desafios particulares. Aquele olho no olho, que muitas vezes definia uma contratação, passou a ser feito pela intermediação fria de uma tela.

Em um ambiente desafiador e altamente competitivo, a assertividade no processo de seleção foi conseguida com o avanço da tecnologia, que inclui o uso da Inteligência Artificial (IA) e sofisticados testes de avaliação comportamental, item que ganha cada vez mais relevância. Qualidades técnicas seguem importantes, mas não bastam quando se busca profissionais com capacidade de lidar com a diversidade, abertos à inovação e que falem a linguagem da empresa, ou que sejam o mais próximo daquela cultura. E isto tudo entregando resultado. Muitas transformações no modelo de recrutamento e seleção já vinham ocorrendo, mas a pandemia acelerou o passo.

O processo de digitalização nas áreas de recursos humanos já ocorria, principalmente no recrutamento de massa, mas agora atinge a todos os níveis das organizações

“O processo de digitalização nas áreas de recursos humanos já ocorria, principalmente no recrutamento de massa na tentativa de uma maior assertividade, mas agora atinge a todos os níveis das organizações”, comenta Antônio Salvador, líder de Negócios de Career na consultoria Mercer Brasil. Este processo, lembra Salvador, começou no boom econômico em 2014, quando empresas como o Grupo Pão de Açúcar (GPA) chegou a recrutar 7 mil pessoas em um mês. Salvador era vice-presidente de RH do GPA na ocasião. “Foi a necessidade de recrutar em volume, com assertividade, que forçou o início dos processos digitais. Quem ainda não tinha aderido foi forçado pela necessidade de isolamento social.”

É este o principal legado da pandemia, na visão de Caio Arnaes, diretor de Recrutamento da Robert Half. “Até o começo de 2020 ainda tinha muita resistência em fazer entrevista online, por vídeo conferência, isto mudou e é um caminho sem volta”, comenta Arnaes lembrando que em países da Ásia, em que a Robert Half tem operações, mesmo livres da covid os processos seguem feitos no ambiente virtual.

Além da consolidação dos processos de recrutamento mediados pela tela, a maior digitalização da área favorece a crescente adoção de ferramentas sofisticadas que consigam capturar aspectos mais subjetivos dos profissionais.

A busca pelo match certeiro

Um conceito que ganhou espaço nos últimos anos no ambiente corporativo é a busca das empresas por sua “proposta de valor”, algo que a diferencie dos concorrentes e valorize sua marca. Isto impôs às áreas de recrutamento a necessidade de encontrar profissionais que falem a mesma linguagem das empresas. “Tenho uma estratégia para meu cliente, mas o funcionário é parte da entrega de valor e preciso tratar ele também como público-alvo”, explica Salvador, da Mercer, defendendo a necessidade de que o processo seletivo consiga comunicar sua proposta de valor aos candidatos para atrair as peças mais adequadas àquele ambiente e diga claramente o que espera dele. “Somos uma companhia mais competitiva, ou somos mais gregária, coletiva ou valorizamos mais os espartanos. Tem uma reflexão interna que precisa ser feita para encontrar o candidato correto.”

Tenho uma estratégia para meu cliente, mas o funcionário é parte da entrega de valor e preciso tratar ele também como público-alvo

Para o executivo da Robert Half, uma das funções do processo de recrutamento é diminuir eventuais diferenças entre a cultura da empresa e a dos profissionais. “A busca de candidatos que combinem com a cultura da empresa é cada vez mais uma realidade. As empresas brasileiras estão avançando neste sentido, definindo com mais clareza sua cultura e o que esperam dos profissionais.”

Aspectos comportamentais ganham relevância

Dentro desta nova realidade, a avaliação de processos psicológicos dos candidatos, que não são novidade mas ficaram mais acessíveis e sofisticados, ganha ainda mais espaço e importância. “Hoje conseguimos avaliar aspectos de resiliência, se aquele candidato tem um traço inovador ou como reage em situações de estresse”, explica Salvador, acrescentando que a demanda reforçada pela pandemia é por candidatos que saibam lidar com “ambientes mais caóticos” o que inclui mudar de funções se necessário e ser mais adaptativo. “Quando se escolhe um profissional é preciso saber qual ativo ele representa e também seu passivo, ou seja, o que depois precisará ser trabalhado.”

O executivo da consultoria Robert Half cita duas ferramentas que são usadas em processos de avaliação psicológica e comportamental de candidatos. “Em funções de média e alta gerência são importantes na definição do melhor candidato”, diz Arnaes citando as ferramentas DISC e a Quantum.

A teoria DISC, baseada nos conceitos do livro de William Moulton Marston, é a sigla para quatro perfis comportamentais: dominância, influência, estabilidade e conformidade. Com o teste, é possível identificar quais são os padrões predominantes de personalidade do candidato de acordo com o ambiente. O método Quantum também identifica perfis profissionais, avalia tendências comportamentais, aptidões, estilo de comunicação etc. É uma ferramenta que mede a Tendência Comportamental (TC) de uma pessoa, assim como seu índice de flexibilidade.

O peso da diversidade

A nova tendência de ambientes corporativos que respeitem as diferenças também impõe um desafio adicional nos processos de recrutamento e seleção, em particular nos cargos de gestão, que são os responsáveis por manter os valores e a cultura daquele ambiente de trabalho. Após a análise da capacidade técnica do candidato, identificar se tem habilidade para trabalhar em um ambiente de diversidade também é um requisito importante. “Nossos clientes pedem a seleção de profissionais abertos a minorias, que consigam trabalhar com diferenças étnicas, etárias, religião, sexuais, de todos os tipos”, comenta Caio Arnaes.

Nossos clientes pedem a seleção de profissionais que consigam trabalhar com diferenças étnicas, etárias, religião, sexuais, de todos os tipos

Para atender a esta demanda, comenta o executivo, além da entrevista que pode identificar estas características, o histórico do profissional é parte importante do processo. “Não basta olhar o currículo, que é sempre a versão do candidato, é preciso ouvir pessoas com quem ele já trabalhou para ver como se comportava no dia a dia e construir assim o perfil do candidato”, explica Arnaes.

No alto escalão, processos ainda de “corte e costura”

Os processos de seleção digitais, antes restritos ao recrutamento de massa, agora atingem a todos os níveis hierárquicos, mas com algumas diferenças importantes. Na visão de Salvador, da Mercer, em níveis de gerência a química ainda é importante e após uma primeira seleção um contato pessoal ajuda na escolha. “No topo da pirâmide, mesmo com o uso das ferramentas digitais, ainda é corte e costura, um trabalho mais no detalhe. Tem aspectos políticos, a marca que a pessoa traz para a companhia que entram nos critérios.”

Inteligência Artificial (IA)

Com tantos requisitos técnicos, comportamentais e psicológicos avaliados, através de entrevistas e testes, as áreas de recrutamento e seleção estão utilizando a Inteligência Artificial para comparar os diferentes perfis encontrados. “Você pode utilizar a inteligência artificial para conectar todos estes pontos e através de gráficos comparar os perfis para identificar a maior ou menor aderência dos profissionais ao que a empresa busca”, comenta Salvador, da Mercer, que há dois anos comprou uma empresa indiana especializada em assessments (testes) com mais de dois mil modelos diferentes. “São muitos sofisticados e permitem que o nível de tomada de decisão seja mais acurado, assertivo. Você vai para uma entrevista muito mais bem informado sobre o candidato do que só olhando o currículo.”

Um outro exemplo de uso da IA visa garantir a autenticidade da entrevista online com os candidatos. Na plataforma da Mercer há uma funcionalidade denominada proctoring, um algoritmo baseado em IA que sinaliza quaisquer comportamentos suspeitos dos candidatos que são capturados via webcam, microfone e tela do computador que está sendo utilizado para realizar o exame. Além da detecção facial do candidato, a IA também reconhece gestos ou movimentos suspeitos, utilização de dispositivos móveis e a presença de outras pessoas no ambiente em que está sendo feita a prova. “Cada vez mais vamos usar a tecnologia para melhorar os processos de seleção. A tendência é maior assertividade na escolha.”