Para que servem os amigos? — Gama Revista
E os amigos?
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Semana

Tantos caminhos e tantas jornadas

Lô Borges, Ana Luiza Trajano, Laerte, Mart’nália, Helena Rizzo dão um salve aos seus amigos mais antigos

02 de Agosto de 2020

Tantos caminhos e tantas jornadas

Lô Borges, Ana Luiza Trajano, Laerte, Mart’nália, Helena Rizzo dão um salve aos seus amigos mais antigos

02 de Agosto de 2020
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    © Arquivo pessoal

    Lô Borges

    amigo de Milton Nascimento, o “Bituca”

    “Eu nasci no bairro de Santa Teresa, em Belo Horizonte, e [no começo dos anos 1960] tinha acabado de me mudar com a minha numerosa família para o centro, nesse prédio chamado Edifício Levy. Morávamos no último andar, no décimo sétimo. E um dia minha mãe pediu para eu comprar pão e leite para o café da tarde. Eu tinha 10 anos e, como qualquer garoto de 10 anos, dispensei o elevador e fui descendo ‘de bunda’ pelo corrimão lá do décimo sétimo andar. À medida que eu ia descendo, ia me aproximando de um som maravilhoso que reverberava na escadaria toda do prédio, uma voz, um falsete, um som de violão. E me deparei com um cara que eu não conhecia, com um violão na mão, fazendo um som lindo, extraordinariamente lindo. Aquele falsete que o mundo inteiro consagrou depois. Posso dizer que conheci primeiro a voz e o violão do Bituca antes de conhecê-lo pessoalmente. Foi uma empatia, uma coisa que aconteceu à primeira vista. Olhei para ele e pensei: esse cara vai ser meu amigo para o resto da vida, ele fazendo um som tão lindo e eu gostando tanto de música. Ele tinha 20 anos, era um adulto, e eu, uma criança de dez. Fiquei tão encantado com aquilo, seduzido pelo canto da sereia. Foi um momento mágico e forte, a centelha que começou tudo. Seis anos depois do Edifício Levy, fizemos nossa primeira parceria [a música “Clube da Esquina”]. A gente nem sonhava ainda em fazer o disco. Depois, moramos no Rio um tempo e fomos assim: ciganos. Moramos juntos por dois anos em vários lugares diferentes. Vi o Bituca fazer muita música para o Clube da Esquina e ele me viu também fazer muita música para o Clube da Esquina. Ele já era um mestre, e eu era um compositor estreante. Uma amizade que dura até hoje e vai durar a vida toda. Costumo pensar que uma amizade tão forte igual a nossa precisa de algumas coisas: solidariedade, confiança, amor e gratidão. Acho que são os pilares da minha amizade com o Bituca. E eu tô morrendo de saudade dele com essa quarentena.”

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    © Arquivo pessoal

    Helena Rizzo

    amiga da Mariana Kraemer

    “O irmão da Mari era namorado da minha prima, a gente se conhecia de vista. Ela é mais velha que eu uns cinco anos e, quando a gente era guria, a diferença era muito grande. Mas a gente se via sempre, na praia em Torres, no verão, e as pessoas achavam que a gente se parecia fisicamente. Não lembro muito bem nem como nem porquê, mas em algum momento a gente se juntou e começou a fazer bolos para vender. Ela já era produtora, fazia eventos, viu as embalagens. Morávamos em Porto Alegre, eu tinha uns 16, ela uns 21. Ganhamos uma grana em um Natal. Daí, logo depois, nos mudamos as duas para o apartamento de um amigo em comum em São Paulo, onde moramos por alguns meses. Eu tinha uns 18 anos, e foi uma fase em que a gente saía todas as noites, trabalhava muito — trabalhamos de garçonete juntas na Neka [Menna Barreto] –, aprontava horrores, caia em mil roubadas. Lembro de uma horrorosa, em que pegamos uma carona em uma estrada, saímos do carro, corremos. Brigávamos muito também, que nem irmã, ela era superorganizada, supermetódica, e eu superbagunceira. Depois moramos no mesmo prédio, em apartamentos separados. Depois em uma vila, onde a Fernanda (Lima), morou também. A Mari é minha amiga-amiga, virou irmã. Temos nossas diferenças, mas estamos sempre juntas, nos falamos sempre. Ela foi a arquiteta do Maní. Tive a Manu e pouco depois ela teve a Felipa, que acabou de fazer quatro anos. Nos falamos sempre, ela foi uma das pessoas que resolvi abrir, e nos encontramos para as crianças brincarem um pouco juntas. Ela tem uma coisa de generosidade, de querer ajudar, que é linda. Ela entra na tua casa, quer organizar tudo, ela pega e faz acontecer. É muito generosa com todos que estão em volta dela, que juntar as pessoas, apresentar, ela tem muito isso. Foi ela quem conseguiu meu primeiro estágio no Roanne, com o Emmanuel [Bassoleil, chef francês radicado no Brasil]. Ela é muito engraçada também, meio dramática, divertida. Assim, se vão mais de 25 anos de amizade.”

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    © Arquivo pessoal

    Mart’nália

    amiga da Márcia Santos, a “Benzinho”

    “Minha amiga mais antiga é a Marcia Santos! Sempre tão gentil e complacente que ganhou o apelido de Benzinho. Conheço ela desde os dez anos, foi meu primeiro crush. Vi aquela carinha de batata morena e foi amor à primeira vista [risos]. Ela sempre gostou dos meninos, mas deixava eu agarrá-la… Acho que eu parecia um menino e a gente sempre dançava juntas nas festas de família. Era o meu único par. Como a gente se encaixava muito dançando, todo mundo gostava! E assim segui tirando minhas casquinhas e sambando e rodopiando pelas pistas de gafieira nas casas dos amigos. Me aproximou da minha própria música, porque ela só ouvia samba e MPB e eu, Michael Jackson. Conheci quase todas as suas paixões e, como amiga, ouvia as lamentações também. Benzinho tem três lindas filhotas que hoje riem de tudo isso e me sacaneiam me chamando de pai, alto, no meio do povo, quando não dou atenção nas festas ou quando querem convites pros shows. A música “Chega” foi inspirada nela. E Benzinho também sempre foi meu álibi: eu ia dar um ‘zig now’ numa menina e falava que estava na Benzinho. Ligava pra ela: “Benzinho vou dormir na tua casa”. E ela me protegia das meninas raivosas de ciúmes.
    Saudade da gente nas quadras das escolas de sambas e voltando dos desfiles no Terreirão, tomando as últimas, sem querer que o carnaval tivesse acabado. Agora a gente só se cuida de longe. Mas se cuida. Te amo, Benzinho!”

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    © Arquivo pessoal

    Laerte

    amiga de Sérgio Gomes

    Nos conhecemos na USP, em Comunicações, em 1970.
    Eu, veterana, ele calouro. Nada menos “calouro” do que o Sérgio Gomes [jornalista] — seja pelo porte, seja pela experiência, pela confiança, pelo à vontade.
    Ficamos muito amigos logo, e pra mim essa proximidade foi decisiva em quase tudo que fiz de positivo naquela época, desde decisões pessoais até projetos coletivos, como a revista Balão.
    Continuamos pela vida afora nessa dança, ele me chamando pra conhecer gentes e lugares, eu convidando pra ser padrinho de casamento (de dois deles). Fundamos a Oboré, trabalhamos com os sindicatos, fundamos o Clube do Choro em S. Paulo.
    É o meu amigo mais querido e mais antigo — de qualquer gênero.”

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    © Arquivo pessoal

    Ana Luisa Trajano

    amiga de seus irmãos, Fred e Luciana

    “Eu fui privilegiada com um irmão e uma irmã, e eu acho que não existe amizade maior do que amizade de irmãos. Passam tempos, as situações mudam, mas as pessoas que eu mais amo no meu mundo são meu irmão e minha irmã. Tenho amigas queridíssimas, da vida inteira, que eu não poderia escolher [apenas uma]. Então se eu vou escolher uma amizade, vou falar sobre amizade de irmãos, porque é uma amizade sem filtros, é uma amizade legítima, que transparece e emociona. É amizade de irmãos.”