Regina Navarro Lins fala sobre amor e sexo — Gama Revista
Sexo

Regina Navarro Lins: ‘O sexo no casamento é uma tragédia’

Psicanalista e autora de best-sellers sobre o amor lança novo livro em que desvenda os conflitos e as mudanças dos relacionamentos contemporâneo; ela compartilha com Gama lições valiosas sobre sexo e paixão

Mariana Payno 24 de Novembro de 2020
Thiago Quadros / Getty Images

“Como digo para o meu marido que quero abrir a relação?” é a pergunta mais frequente no consultório da psicanalista e escritora carioca Regina Navarro Lins desde meados da década de 2010 — dilema que não embalava muitas sessões antes disso. “Essa questão agora aparece demais, o tempo todo e em pessoas de todas as idades, porque estamos no meio de um processo de profunda mudança das mentalidades”, foi a explicação que ela encontrou ao mergulhar nos estudos sobre o amor e o sexo.

Embora a insatisfação declarada com a exclusividade monogâmica seja relativamente recente para muitos casais, a estrada da psicanalista pelos conflitos amorosos é longa. Aos 71 anos, Regina atende em consultório há 47 e há quase 30 se especializou em questões ligadas aos relacionamentos. “Comecei a sentir que meus pacientes sofriam demais por esse tipo de coisa, e me parecia desnecessário aquele sofrimento todo”, conta a autora de mais de dez livros sobre o tema.

O mais recente deles, “Amor na Vitrine: Um Olhar sobre as Relações Amorosas Contemporâneas”, recém-lançado pela editora BestSeller, investiga os relacionamentos a partir dos modos de pensar dos indivíduos e de sua transformação ao longo do tempo — a chamada história das mentalidades. Viajando milênios para o passado, a psicanalista começou a olhar para as relações sexuais desde a pré-história; escavou as origens do patriarcado e sua evolução pelos séculos; descobriu as formas de amar da Grécia Antiga, da Idade Média e de todas as eras que vieram depois.

O amor é uma construção social: em cada período da história se apresenta de um jeito

Ao longo desse caminho, Regina percebeu um grande vilão em potencial, responsável por todo o drama: o mito do amor romântico. “Nossa tendência é achar que amor e sexo sempre foram como é hoje, mas o amor é uma construção social: em cada período da história se apresenta de um jeito”, explica. “Foi a partir de 1940 que a ideia de amor romântico passou a ser mais incentivada pelos filmes de Hollywood.”

O problema, segundo ela, é que esse tipo de amor — que desde então nos invade por todos os lados, em filmes, músicas, novelas, livros, séries, pelo menos no Ocidente — é calcado na idealização e em expectativas irrealizáveis. “Você atribui à outra pessoa características que ela não possui e, na convivência, vem o desencanto, o ressentimento. Além disso, existe a expectativa de que os dois vão se transformar em um só, de que um vai ter todas as necessidades atendidas pelo outro; isso é uma mentira horrorosa”, diz.

Para a psicanalista, o momento agora é de questionamento e renovação dos costumes, uma lenta transformação da mentalidade do hoje que começou com o advento da pílula anticoncepcional e a revolução sexual dos anos 1970. “É um processo que não está concluído, mas é importante entender por que outras formas de amar estão sendo solicitadas. As pessoas estão sentindo que os modelos tradicionais não dão mais respostas.”

Seu novo livro elucida justamente uma série de questões sobre como chegamos às formas que conhecemos de amar e ao despertar de novas maneiras de lidar com a paixão e o sexo. Gama conversou com Regina sobre alguns temas que ela aborda na obra e traz, a seguir, suas lições sobre o amor, o tesão e os relacionamentos contemporâneos.

  • O maior problema do casamento é o sexo

    “O sexo no casamento é uma tragédia. Alguém casado há dez, 15, 20 anos e que continua com tesão é uma exceção. Primeiro, porque a relação de casamento se presta muito à dependência emocional, e um mínimo de insegurança é necessário para continuar com tesão. Segundo, porque você tem que ter sua individualidade. Tem gente que acha que precisa contar tudo para o outro, e o tesão não resiste a isso. O problema é que todo mundo quer segurança, estabilidade, aconchego, mas todo mundo quer coração disparado, frio na barriga. É incompatível. O grande responsável pela falta de tesão é justamente esse modelo de casamento da nossa cultura, calcado na possessividade, no controle, no ciúmes e no desrespeito à individualidade. Enquanto isso continuar, as pessoas podem até se amar, mas amor e tesão não tem nada a ver uma coisa com a outra. Se não há mais mistério, nada a descobrir no outro, o tesão acaba.”

  • A infidelidade é uma preocupação desnecessária

    “Ninguém deveria se preocupar se o amado ou amada transa ou não com outra pessoa. Cada um só deveria responder a duas perguntas: me sinto amado? me sinto desejado? Se a resposta for sim, o que o outro faz quando não está comigo não é da minha conta. Essa é a forma mais inteligente de viver. Além disso, controlar alguém toda hora é muito cansativo. Mas quando você conhece alguém e começa a namorar, já está implícito que aquela pessoa só pode transar com você e você com ela. É um imperativo da nossa cultura. As pessoas se adequam ao imperativo, mas elas podem discordar e não comunicar. Se ninguém combina nada, por que você acha que o que vale é uma moral de fora? Cada um escolhe como quer viver. Há casais que simplesmente nem discutem esse assunto.”

  • A monogamia tem data de validade

    “A gente está caminhando [para o fim da monogamia]. Você já encontra muita gente no poliamor, nas relações livres, mas a mudança das mentalidades é lenta e gradual. Você já pensou se alguém chegasse em 1950 e falasse que a separação não era uma tragédia familiar? Daqui a um tempo, menos pessoas vão querer se fechar em uma relação a dois. Se hoje a maioria tem o discurso da monogamia, no futuro esse discurso vai ser menor. Até porque a monogamia é uma coisa imposta, mas cada vez mais abrimos espaço para as pessoas escolherem suas formas de viver e cada vez mais as pessoas escolhem formas de viver não-monogâmicas.”

  • O amor romântico está em crise

    “O amor romântico está dando sinais de que vai sair de cena, porque os anseios contemporâneos são a busca da individualidade, uma grande viagem do ser humano para dentro de si mesmo e das suas possibilidades na vida. O amor romântico prega o oposto disso quando propõe que dois se transformam em um só — e aí abandonam amigos, projetos. Levando essa exigência de exclusividade embora, abre-se espaço para as pessoas escolherem viver outras formas de amar. É um processo, mas é importante entender que está caminhando. Não dá para precisar quantas décadas vai demorar, mas cada vez menos pessoas vão querer se fechar em uma relação a dois e mais gente vai optar por amar e ser amado por outras pessoas.”

  • Pode ser que a paixão chegue ao fim

    “Isso quem diz é Elizabeth Badinter, historiadora e filósofa francesa: ela escreve que o que sempre manteve a paixão foi o sofrimento, a proibição. Como a mentalidade está mudando, muitas das proibições estão se diluindo, e aí não haveria mais paixão. A gente está caminhando para um momento em que ninguém mais quer os dilaceramentos da paixão, porque as pessoas estão buscando viver o encontro de uma forma mais prazerosa, e não essa coisa de sofrer e se rasgar de amor. Daqui a um tempo não vai mais haver paixão, porque a paixão também está muito ligada à idealização: você é tomado por uma obsessão pela imagem do outro, o que leva a decisões radicais. Mas é possível cada vez mais amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo, e isso acaba com essa obsessão.”

  • As estratégias de conquista e sedução se transformam

    “Na ideia de sedução do século 18, aquela dos libertinos como Casanova e Don Juan, a mulher era passiva. A mulher daquela época não é a mulher de hoje. Esses sedutores, os ‘conquistadores’, estão perdendo espaço porque a mulher agora também pode conquistar e seduzir. Antes, era só o homem, mas essa coisa do homem que conquista vai acabar. E é uma questão que traz conflitos: tem homens que foram educados com critérios supertradicionais e se separam depois de 30 anos de casados, aos 50 e poucos, sem saber como conquistar uma mulher hoje.”

  • A mentalidade patriarcal também é nociva para os homens

    “Quando surgiu o movimento feminista, os homens não se deram conta de que a mentalidade patriarcal os oprime também. Ninguém aguenta: nunca falhar, nunca chorar, nunca broxar. Agora muitos estão começando a se libertar desse mito. A fronteira entre o masculino e o feminino está se dissolvendo, e isso é uma pré-condição para uma sociedade mais parceira entre homens e mulheres — inclusive sexualmente.”

Produto

  • Amor na Vitrine: Um Olhar sobre as Relações Amorosas Contemporâneas
  • Regina Navarro Lins
  • BestSeller
  • 376 páginas

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