Tá joia! — Gama Revista

Uma turma

Tá joia!

Saiba quem são os designers que estão criando as próprias marcas e mudando a cara da joalheria artesanal brasileira

Mariana Payno 30 de Maio de 2020

Como em muitas outras searas da vida, os movimentos na moda são cíclicos e, depois do ápice, alguns sistemas começam a se esgotar. Foi o que aconteceu com as marcas de fast fashion, que viveram um boom no Brasil no início da década passada. Em contraponto, a resistência a essa tendência de produção em massa pouco autêntica (e pouco sustentável também, diga-se de passagem) começou a pipocar nos últimos anos.

Junto com o apreço por um consumo mais consciente, a valorização dos produtores locais e artesanais, naturalmente, ganhou espaço no coração e no closet dos fashionistas. E isso vale não só para as roupas, mas também para os acessórios: não demorou muito para que uma boa turma entrasse na onda do design de joias feitas à mão. Afinal, a diversidade de matérias-primas, custos e jeitos de fazer acessórios artesanalmente oferece bastante liberdade para a produção e, além disso, o aumento das possibilidades de venda online cria pontes diretas com os consumidores.

Não à toa, muitos designers logo captaram esse novo espírito do mercado. Conheça alguns deles.

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    Camila Alves

    A designer busca referências na natureza, em memórias pessoais e na história para criar as peças da Arqvo

    “Minha história na área de acessórios não começou de forma poética, com família joalheira, nem nada.” É assim, com os dois pés na realidade, que Camila Alves conta como se tornou criadora da própria marca de joias, a Arqvo. Sem romantizar sua trajetória, ela explica que o caminho foi basicamente profissional: formada em design de moda, trabalhou por mais de sete anos em duas marcas de acessórios diferentes, onde acumulou conhecimento sobre materiais e técnicas até decidir, enfim, se aventurar em criações autorais e artesanais. 

    Com o tempo, a Arqvo deixou de ser apenas uma experiência e cresceu como negócio. Hoje, as joias de Camila são vendidas no Rio de Janeiro, em São Paulo e nos Estados Unidos, em uma loja que reúne projetos feitos por mulheres. O processo continua totalmente manual. “A montagem e o manuseio final das peças ainda estão comigo e com a Edi, montadora em quem confio muito e que me ajuda quando a quantidade é muita e o tempo é pouco”, diz a designer. 

    Bem, a história do surgimento da Arqvo pode não ter muito lirismo envolvido, mas não dá para dizer o mesmo sobre as peças criadas por Camila. O próprio conceito da marca cujo nome foi inspirado em “antigos gabinetes de curiosidades onde se guardavam fragmentos de fauna e flora, além de achados exóticos” — tem um quê de conto de fadas. “Minhas inspirações vêm muito do que eu guardo de memórias e desejos de infância. Sempre fui muito ligada à natureza e achava que seria bióloga. Gosto muito da história da humanidade e da arte também, então sempre tento estudar um tema que mexe comigo de alguma forma e transformá-lo na minha visão.”

    Foi dessa maneira que nasceu, por exemplo, uma coleção baseada em vendedoras de peixe portuguesas. “Descobri [sobre elas] vendo uma pintura que me tocou. Pegando o nome do quadro, ‘Varina’, conheci a cultura por trás dessas mulheres”, conta Camila. Quando descobre um tema que a encanta, mergulha para contar a história por meio de uma joia. Os materiais que usa ajudam a construir essas narrativas singulares: além dos metais preciosos, as pérolas, pedras e conchas fazem com que as peças sejam, muitas vezes, únicas. “A cada montagem, é preciso pensar onde tudo se encaixa melhor, por exemplo, que pedrinha vai dentro de que concha.”

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    Marina Domingues

    A jornalista de moda virou artesã sem querer e transformou o hobby da cerâmica em negócio

    Tudo era apenas uma brincadeira e foi crescendo, crescendo. O primeiro verso da canção de Peninha, imortalizado na voz de Caetano Veloso, serve para praticamente qualquer história de amor — e também para a criação da Bonica, marca de acessórios em cerâmica da jornalista Marina Domingues. “Comecei meio que brincando, como um hobby, testando fazer coisas para mim mesma”, diz sobre quando resolveu colocar as mãos no barro para aplacar o tédio do pós-operatório de uma cirurgia no joelho.

    A escolha pelos acessórios (e não por pratos ou copos, mais comuns para os iniciantes em cerâmica) veio da ligação que Domingues já tinha com a moda: jornalista especializada nessa área, ela passou pelas principais revistas do país. E também foi muito por causa dessa relação que a Bonica viveu um crescimento relâmpago. Apenas quatro meses depois da criação da marca, em julho de 2018, as peças começaram a aparecer em editoriais. “Eu postava nas redes sociais e, como conheço muita gente de revista, as pessoas passaram a comprar e, bem no boca a boca, fomos crescendo.”

    De lá para cá, Domingues já fez coleções em parceria com a Void, com a marca brasileira Yogini e, no ano passado, foi convidada para fazer parte do time de novos designers do e-commerce Shop2gether. Apesar de a demanda ter aumentado bastante, ela segue no jornalismo e prefere não fazer muitos planos como designer. “Gosto muito da Bonica, mas gosto de ter o limite do artesanal, não posso ir longe demais, já que faço cada peça à mão.”

    O curioso é que a vida “meio independente” da Bonica, que foi crescendo naturalmente, metaforiza a própria essência da cerâmica, principal material usado por Domingues na marca. “Se tem uma coisa que a cerâmica ensina, é que a gente não está no controle”, diz ela. Por isso, a forma e até a cor das peças — que, em geral, têm linhas fluidas inspiradas em elementos da natureza — são sempre únicas. “A gente nunca sabe como vai ficar. Não dá para esperar muito da cerâmica, e eu gosto disso porque sempre que você abre o forno é uma surpresa.”

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    Marcelo Jarosz e Frederico Piiu

    O cinema italiano e as grandes divas inspiram as criações da dupla idealizadora Gla

    Orientadora de diversos movimentos, da literatura concretista ao pop, a estética de luxo versus lixo atrai o olhar do casal Marcelo Jarosz e Frederico Piiu, criadores da marca de acessórios Gla. Essa dicotomia faz parte da extensa e variada lista de referências em que os dois bebem para desenhar as peças. “O cinema, especialmente o italiano dos 1960 aos 1980, com sua opulência décor e protagonizado por musas como Monica Vitti e Silvana Mangano. O universo singular e o senso de humor atrevido de diretores como Almodóvar e John Waters. Divas como Cyndi Lauper, Madonna, Diana Ross, Dolly Parton e seus atentados a idéia de ‘bom gosto’. Esses são os assuntos que nos interessam muito na hora de pensar um novo conjunto. E, claro, nossas próprias experiências com a cultura LGBTQI+: a noite gay é uma verdadeira caixinha de joias, com seus personagens excêntricos”, enumera Jarosz. 

    Esse pot-pourri de inspirações acaba envolvendo muito garimpo de pedras, resinas e cristais, por exemplo. O resultado são brincos e colares cheios de extravagância, com bastante cor, brilhos e pérolas, que rapidamente conquistaram orelhas e pescoços notáveis. Depois que a caçadora de tendências americana Leandra Medine descobriu a marca em uma viagem ao Brasil, os acessórios da Gla foram parar em campanhas e editoriais de peso: a atriz Lupita Nyong’o usou os brincos da marca para a Lancôme e Naomi Campbell foi clicada com eles para um editorial da Vogue Brasil. 

    Talvez Jarosz e Piu não imaginassem que a Gla atrairia tantos holofotes quando começaram a produção meio sem querer. “Fred, que sempre trabalhou como designer de acessórios, tendo passado por marcas como Cris Barros, Bob Store e Francesca Giobbi, havia se desligado do último trabalho e começou a fazer algumas experiências em casa com bijoux. Eu, que me formei em artes plásticas e nunca tinha mexido com moda, embora fosse um grande apaixonado, fui me envolvendo nessa história por conta da proximidade com os processos dentro de casa”, conta Jarosz. 

    Apesar de a marca ter crescido, é ainda dentro de casa que eles trabalham de forma totalmente artesanal.  “No futuro, gostaríamos de ter uma equipe. Quem sabe uma portinha aberta na rua, com o ateliê no andar de cima.”

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    Regina Dabdab

    A designer migrou das bolsas e sapatos para as joias e ganhou o mundo

    A atração de Regina Dabdab por elementos naturais é ancestral: o avô tinha uma loja de pedras brasileiras em São Paulo e, desde cedo, ela entrou em contato com esse universo. Talvez tenha sido daí que nasceu sua mania de “catar” e acumular pequenas partes da natureza. “Sempre fui uma grande catadora, andando pelos lugares e percebendo essas coisinhas, obviamente sem destruir nada”, conta.

    Dessas memórias infantis e da coleção de “coisinhas” acumuladas ao longo da vida nasceram suas primeiras joias. Mais de dez anos depois de abrir o próprio ateliê em Paris (e depois em São Paulo), a estética das criações de Dabdab continua seguindo a inspiração no mundo natural e a vocação de garimpo, tendo pedras, pedaços de madeira e metais como matéria-prima de uma produção totalmente artesanal. “Elas não são necessariamente desenhadas, é tudo uma questão do encaixe e da mistura de materiais: a pedra, a madeira, o frio, o quente, o macio, o duro”, explica ela. 

    As peças únicas e munidas de uma boa dose de exotismo ganharam o mundo e hoje são vendidas em diversos países, como Japão, Grécia, Itália e Líbano, mas tudo começou entre as quatro paredes do apartamento de Dabdab em Paris. A designer paulistana, especializada em sapatos e bolsas mas um pouco frustrada com a área, começou a treinar a criatividade montando micro-objetos, talismãs e pequenas esculturas com os elementos que tinha coletado por aí e guardado em casa. Uma amiga stylist se encantou pelas peças e as levou para um ensaio no dia seguinte. “Aquilo foi um estopim meio absurdo, foi direto para capa de revista, outdoor no metrô. O que eu fazia era muito exótico para Paris, e aí de repente comecei a vender para lojas muito grandes e do mundo inteiro, porque todo mundo vai a Paris comprar”, conta Dabdab.

    Para ela, ser designer de joias foi uma forma levar uma paixão antiga para a vida profissional. “Sempre fui muito encantada com o significado das joias, elas têm uma força muito grande e tê-las perto do nosso corpo é um privilégio.” 

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    Pedro Nart

    Um anel perdido e a vontade de criar acessórios para homens o levaram a aprender a arte da joalheria

    Ser um menino do interior de São Paulo apaixonado por acessórios, duas décadas atrás, podia ser uma coisa complexa. Ou, pelo menos, foi assim para o designer Pedro Nart. “Eu pegava as bijuterias da minha mãe e da minha irmã, e as pessoas não entendiam muito, até porque eram acessórios femininos. Eu tinha essa paixão por adornos, mas nunca encontrava as joias que eu queria usar”, conta. Mesmo assim, ele usava as que tinha à mão — e foi por causa de uma delas, um anel perdido de um amigo, que Nart entrou para o mundo da joalheria. “Eu perdi o anel, não tinha como comprar outro e resolvi refazer.”

    Depois de um ano aprendendo e treinando técnicas em um ateliê colaborativo de amigos, ele acabou esquecendo de fazer o tal do anel. “Mas comecei a criar, criar e nunca mais parei”, diz. Foi nas próprias invenções que Nart finalmente encontrou uma linguagem estética para as joias que sempre quis usar. É um estilo que envolve muita prata, formas pontiagudas e curvas, e também materiais do garimpo pessoal do designer, o que torna muitas da peças (inclusive as da linha que ele está desenvolvendo agora) únicas. “Tenho uma coleção de pedras, camafeus, objetos que compro em feiras. Sempre opto por trabalhar com materiais que sejam o mais sustentável possível.”

    Refletir sobre a história da joalheria e os impactos do processo também faz parte da filosofia de Nart. Ele não gosta muito de ouro, por exemplo. “É uma coisa que torna tudo tão inacessível, tem todo o problema da extração ilegal e reflete muito nosso processo de colonização.” E acredita que é preciso valorizar outros conceitos de preciosidade. “Os adornos corporais são muito antigos, mas a ideia de joia é muito ligada à monarquia, e quando a gente entende isso no Brasil é outra coisa. As joias deixaram de ser só do rei e da rainha e passaram a se reinventar, a se descobrir e ter tantos outros significados e universos. As pessoas estão criando, construindo essa nova história da joia brasileira.”

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    Flavia Madeira

    Com olhar poético, a designer valoriza muito as matérias-primas e transforma objetos do dia a dia em joias únicas

    Uma coisa meio de filme, meio de sonho, foi a epifania que Flavia Madeira teve ao entrar em uma pequena joalheria na Grécia. “Eles criavam peças em ouro com tecido, e fiquei chocada com a beleza e simplicidade das peças”, conta. Dali, ela decidiu abandonar o mundo corporativo e mergulhar na ourivesaria. “Me apaixonei instantaneamente pela incandescência e transmutação dos metais. Foi a partir disso que comecei a serrar e a desconstruir moedas antigas, engrenagens, porcas e parafusos, para brindar a filosofia do refugo.” 

    Hoje, esses objetos do dia a dia, combinados a metais como ouro, prata e cobre, são parte da identidade das peças da designer — apesar de ela garantir que se inspirar nas pequenezas do cotidiano nunca foi “um objetivo consciente”. “Foram os materiais disponíveis para minha evolução como ourives e que geraram a poesia de minhas primeiras criações. Aprendi que a matéria-prima é sagrada. Acredito que toda matéria tem sua densidade, força e sempre está em transformação.” 

    A poesia está no início, no fim e no meio das peças da designer, que vê não só as joias mas o próprio fazer artesanal de um modo lírico. “Acho tão lindos os olhares diversos dos artesãos, que doam parte da sua alma para aquela transformação da matéria”, diz Madeira. Nessa toada, ela valoriza bastante a troca com os colegas e faz de seu ateliê, ativo desde 2013 e onde atualmente trabalha em dupla com Miki Hayashi, um espaço para isso. É de lá que saem as “joias cinéticas, joias vivas” que Madeira cria para dialogar “com as personalidades singulares de cada pessoa”.

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