Para que servem os cogumelos mágicos — Gama Revista

Repertório

Os outros usos dos cogumelos

Emma Napper / Divulgação

Para além da aplicação recreativa e medicinal dos cogumelos mágicos, espécies de fungos prometem ser alternativas sustentáveis para o plástico, os agrotóxicos e até para o sepultamento de cadáveres

Mariana Payno 10 de Outubro de 2020

Tão diversos quanto versáteis, os cogumelos já habitavam o planeta antes de qualquer outra espécie — e os seres humanos, quando chegaram, descobriram neles aplicações várias, da alimentação à medicina tradicional, passando pelos usos recreativos e até religiosos. Com o tempo, os fungos foram se espalhando por diferentes culturas. Os comestíveis, por exemplo, ganham cada vez mais adeptos em países que antes não os consumiam com tanta frequência — e não por acaso: queridinhos da alimentação vegana, mas não só, eles trazem inúmeros benefícios à saúde e se tornaram uma espécie de tendência de bem-estar.

A popularidade medicinal dos cogumelos, um pouco mais antiga, tem ganhado novos contornos nos últimos anos. Pesquisas com substâncias psicodélicas dos chamados “cogumelos mágicos”, como a psilocibina, começaram nas décadas de 1950 e 1960, mas ao longo dos anos foram sendo interrompidas por obstáculos legais — e, claro, moralizantes. Já naquela época, apontava-se para a possibilidade de utilizar os cogumelos para tratar vícios como o alcoolismo e transtornos psicológicos.

Versáteis e altamente capazes de se reproduzir, os cogumelos despontam como alternativa sustentável em diversas situações

Hoje, a partir de um novo entendimento sobre essas substâncias, os cientistas avançam nas descobertas das propriedades mágicas dos fungos contra a ansiedade e a depressão +. Há, ainda, estudos sobre a aplicação de cogumelos no combate a superbactérias, e até a possibilidade de uso recreativo tem sido revista — a cidade de Ann Arbor, nos EUA, descriminalizou os psicodélicos recentemente.

Para além dessa seara, no entanto, há quem defenda que os seres mais antigos da Terra são os que irão salvá-la. Com o avanço implacável da crise climática, pesquisadores encontraram no reino Fungi alternativas sustentáveis para diferentes indústrias. Gama apresenta a seguir algumas dessas descobertas.

O Infinity Burial Suit, da Coeio, promete a paz do baixo impacto ambiental após a morte

Esqueça o caixão e a cremação

Sim, é isso mesmo. Parece que as pessoas já têm se preocupado em ser mais benevolentes com o planeta até na hora de deixá-lo para sempre. Toda uma indústria de sepultamentos ecofriendly se desenvolveu a partir da descoberta de que os caixões, a manutenção dos cemitérios e as substâncias que os cadáveres depositam no solo, assim como as cremações, geram substâncias tóxicas para o ambiente. Nesse cenário, os cogumelos aparecem como uma alternativa que promete não só não poluir como limpar a nossa sujeira post mortem: feito a partir de fungos comuns, como os comestíveis shimeji e shiitake, o Infinity Burial Suit, da startup americana Coeio, decompõe a matéria orgânica dos corpos mortos e metaboliza as toxinas, transformando-as em nutrientes para a terra. A invenção é uma espécie de manta revestida pelos esporos dos cogumelos capazes de realizar essa proeza.

O novo plástico

Outra preocupação ambiental que os cogumelos podem amenizar é a produção e o descarte de plástico. Alguns anos de pesquisa levaram a empresa americana Ecovative a desenvolver uma tecnologia que mistura micélio — a ramificação dos fungos, análogas às raízes das plantas — a subprodutos agrícolas, como espigas de milho, para substituir o grande vilão do planeta por uma matéria-prima biodegradável para a confecção de embalagens e outros objetos. A ideia caiu no gosto de marcas como a francesa Amen, que produz velas sustentáveis para o mercado de luxo.

Mylo, o couro vegano fabricado a partir do micélio pela empresa Bolt Threads

As roupas biodegradáveis

A indústria da moda é outra que não tem conseguido escapar dos debates sobre sustentabilidade, produção em larga escala e descarte de resíduos — e, por isso, o micélio também pode ajudá-la a resolver pelo menos um de seus grandes dramas: o couro. Algumas empresas encontraram nas fibras dos cogumelos as propriedades ideais para produzir algo como um couro vegano. O tecido não só substitui o de origem animal mas outras alternativas à base de plástico — e ainda pode ser tingido naturalmente com chá. Capitaneada por marcas como a Bolt Thread e a MycoWorks, a invenção ganhou o coração de nomes como Stella McCartney, que desfilou o couro de cogumelos em bolsas e casacos. Pegando esse embalo, designers como a holandesa Aniela Hoitink já testam outros tipos de tecido de micélio.

Matéria-prima para o design e a arquitetura

Pela alta capacidade de reprodução e pela tendência de se emaranhar aos materiais do entorno, o micélio também está por trás da “madeira de cogumelos”. A lógica é quase a mesma da produção do plástico e dos tecidos alternativos: as “raízes” fibrosas do fungo se fundem a aparas de madeira, formando um material maleável que serve para construir peças de decoração e até paredes. O grande desafio para os designers que aderiram à técnica, como os britânicos Nir Meiri e Sebastian Cox, é driblar o nojinho que os consumidores podem ter dos móveis fúngicos. Em entrevista à National Geographic, Cox garante que suas luminárias produzidas com micélio apenas “têm um pouco de cheiro de chá”.

As raízes fibrosas dos fungos são a matéria-prima das luminárias e banquetas do designer Sebastian Cox

Uma substituição segura para os agrotóxicos

Nocivo para o meio ambiente e para a saúde humana, os agrotóxicos — cuja liberação bate recordes no Brasil — são um dos grandes terrenos de disputa entre o agronegócio e os ativistas pelo clima e pela alimentação saudável. Mais uma vez, parece que os cogumelos chegam para salvar o dia: diferentes espécies poderiam ser utilizadas no lugar dos pesticidas para evitar pragas e proteger as plantações de intempéries climáticas. Uma startup francesa, por exemplo, testou o uso de moléculas do shimeji preto contra doenças e geadas. Outra promessa é o Green Muscle, feito com esporos do fungo Metarhizium anisopliae e óleo mineral. Agora, os cientistas trabalham para melhorar a viabilidade desses biopesticidas para os agricultores — já que, embora a produção seja mais barata, a aplicação deles é um pouco mais cara que a dos agrotóxicos convencionais.

O herói da cadeia de produção do biodiesel

Pesquisadores da Embrapa Agroenergia descobriram nos cogumelos um precioso aliado na cadeia de produção do biodiesel feito do pinhão-manso e do algodão. Eles perceberam que os fungos podem reduzir ou eliminar de vez compostos tóxicos dos subprodutos desses vegetais, resultado da sua transformação em combustível. Chamada de torta, essa parte que sobra do pinhão-manso e do algodão é geralmente utilizada para alimentar animais na pecuária em pequena quantidade — com a redução das toxinas, esse uso poderia ser ampliado. De quebra, o processo de eliminação das toxinas gera outros produtos aproveitáveis: um biofertilizante e um resíduo para a produção de etanol, além dos próprios cogumelos — já que o experimento consiste em fazer das tortas seu meio de cultivo.

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