'Existe um desejo de comer melhor' — Gama Revista
©Romulo Fialdini

‘Existe um desejo de comer melhor’

A banqueteira Neka Menna Barreto é conhecida por sua criatividade e por um cardápio pautado por ingredientes naturais. Conheça suas lições para uma alimentação mais saudável

Bruna Bittencourt 16 de Junho de 2020

Neka Menna Barreto cresceu em uma família tradicional gaúcha. Na segunda-feira, o cardápio era costela; na terça, carne de cordeiro; na quarta, carne de vaca; na quinta, peixe; na sexta, frango; no sábado, churrasco; e no domingo – enfim — macarrão. “Mudava o cardápio, mas sempre tinha um animal, assado, refogado, no almoço e jantar”, lembra Neka, 58 anos, que esperava pela hora da salada. “Eu não tinha vontade de comer. Meu desejo era por alimentos mais coloridos. O mundo vegetal sempre me chamou mais atenção.”

Anos depois, na faculdade de nutrição, ainda no Rio Grande do Sul, suas colegas não acreditavam que era possível viver sem carne. Ela retrucava: mas como é que uma civilização inteira na Índia viveu sem? “Me achavam um extraterrestre.”

Em São Paulo, para onde se mudou no fim da década 1980, ela se tornou uma banqueteira requisitada, conhecida por sua criatividade e por um cardápio pautado por ingredientes naturais (mas carne entra, se for o gosto do freguês), e que serve de brunches a eventos corporativos para milhares de pessoas.

Os pratos de Neka são imaginados primeiro em uma folha de papel, antes de ganhar forma na cozinha. Acima, hortaliças viram assados e caldeiradas antes de ir ao fogo efetivamente

Termos tão em voga na alimentação como plant based e farm to table fazem parte do seu vocabulário alimentar muito antes de se tornarem tendências. “Sou quase 100% plant based. Na minha casa é só verduras, legumes, cereais e grãos”, diz. “Mas acabo abrindo algumas portas e janelas, porque prefiro ser amiga de quem come bife. Não quero exclusão social por conta de alimentação.”

Neka sabe de cor sua longa lista de produtores, o nome das cooperativas, dos sítios, das cidades, dos agricultores, o que cada um produz, de soja ao tofu. Também viaja, da Índia ao cerrado brasileiro, para descobrir novos ingredientes. E gosta de montar seus cardápios como se fossem paisagens, pelas cores, com a ajuda de desenhos. A seguir, ela fala desse universo particular, mas hoje tão universal:

Plant based

“Trabalho em São Paulo há 32 anos. Quando comecei, a minha salada de grãos era totalmente desprezada nas festas, mas eu continuava oferecendo. Hoje, ela é a primeira a ser consumida. Por conta da pandemia, resolvi fazer as Nekitas, que são [pacotes semanais] de marmitas orgânicas, 95% plant based, biodinâmicas. Faço também Nekitas com carne, a pedido de muitos clientes. A cada semana, o número de Nekitas vegetarianas sobe um pouquinho. Quando começamos, há dois meses, entregávamos 14 delas e 50 convencionais [com carne]. Na semana passada, os pedidos das Nekitas orgânicas já foram 40, e as normais se estabilizaram. Fico muito feliz, acho que existe um desejo de comer melhor.”

Quanto mais paisagens tu comeres, quanto mais diversidade tu tiveres no teu prato, mais força

Paisagens

“Primeiro, vou às compras e vejo o que os meus pequenos produtores têm. ‘Vou fazer umas bolinhas de batata doce roxa e botar o amor perfeito por cima, vai ficar amarelo e roxo.’ E começo a montar, como se fosse uma aquarela. Tu precisa gostar de fazer isso, tu precisa ter inspiração. Não é uma coisa que posso terceirizar. Fico na cozinha por 12, 14 horas quando faço as Nekitas. Para quem não faz, é bom botar na mão de alguém que goste de fazer, porque vai comer com mais biodiversidade. Quanto mais paisagens tu comeres, quanto mais diversidade tu tiveres no teu prato, mais força.”

Produtores

“Os agricultores são os verdadeiros artistas. Imagina um cara que acorda às quatro e meia da manhã, no frio, para colher as verduras. Imagina que tu sabe de onde veio cada verdura que tem no teu prato. É muito lindo isso. Trabalho com 40 famílias que produzem orgânicos em São Paulo e alguns produtores de gêneros não perecíveis em São Paulo, no Paraná e no Rio Grande do Sul. É um trabalho hercúleo, tu faz a programação, mas tem geada e o brócolis não rola. E daí tem que mudar o cardápio, e tudo bem, faz parte. Escrevo o novo cardápio que vai na sacola: ‘Olha, o brócolis não apareceu e o tomate também não rolou’.”

‘Existe um desejo de comer melhor’

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Menos carne

“Em 1968, na época em que os Beatles eram vegetarianos, isso era mais surpreendente. Desde que moro em São Paulo, nunca se falou tanto em comer menos carne, até na minha cozinha. A carne faz muito parte da alimentação de pessoas com quem trabalho. Mas elas enxergam que existe um propriedade no vegetal. Mais de 80% do antibióticos que são fabricados no mundo são para os animais de criadouro. Então, tu imagina o que que a gente come junto com a carne. O que é um bife? Um pedaço de corpo. Que animal é esse? O que comeu? Como viveu? De onde ele veio?”

Paladar

“Paladar é uma coisa a ser conquistada, tu incentiva ele, te relaciona com outros sabores, dá mais amplitude para ele. Cada lugar que visitei, conheci uma especiaria e fui incluindo no meu alfabeto. É como aprender uma língua, quanto mais se conhece, mais ela vai ficando ampla. Acho que a gente vai mais longe conhecendo outros idiomas.”

Paladar é uma coisa a ser conquistada, tu incentiva ele, te relaciona com outros sabores, dá mais amplitude para ele

Conselhos

“Acho importante a gente gostar daquilo que come. Tu não pode comer só porque faz bem, tem que comer porque tem uma relação com aquele alimento. Mas não te mima tanto, quando tu não gosta, pensa que isso pode te fazer bem. A gente é o que comeu ontem. Quando tu acorda, aperta teu intestino e vê se dói. Se tu jantar muito tarde, coma muito leve, porque é muito importante, além de dormir, tu sonhares. E quando tu está com estômago muito cheio, seu sono é interrompido por tanta digestão. Então, durma com certa vontade de comer, é bom acordar zerado, com vontade de tomar um café da manhã. Todos os dias coma uma coisa crua, seja qual for a tua alimentação. Crie vínculos com a tua refeição: quando tu comer sozinho, arrume a mesa, coloque uma velinha, deixa o celular de lado, faça jejum dele.”

Futuro

“Os nossos bisnetos vão dizer: ‘Nossa, é verdade que vocês comiam 7 quilos de veneno por ano?’. Sou uma pessoa otimista, acho que a vida vai melhorar nesse sentido. Como defende a [organização sem fins lucrativos] Comida do Amanhã, o que comemos muda o mundo. Então, como diz meu primo [o artista e pesquisador] Jorge Menna Barreto, através das nossas escolhas, a gente pode esculpir o mundo.”

A foto de destaque da matéria foi feita pelo fotógrafo Romulo Fialdini para a Bloom Magazine Brasil

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