Coincidências que me rondam e me procuram — Gama Revista
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Letrux

Coincidências que me rondam e me procuram

Uma hora elas irrompem e me enlaçam e eu sinto meus pés saírem um tico do chão. Pra quem tem mania de raiz, é uma delícia

02 de Dezembro de 2020

De tempos em tempos, acontece, só pra eu confirmar algo que nem sei, talvez o mistério. Ridícula, eu sei, visto que mistérios não se comprovam. Mas acontece e não posso fingir que não. Não serve pra nada, só pra eu arregalar o olho e sentir que tudo está conectado por um fio invisível e talvez mais seguro que o wifi da Nasa. Bem mais seguro.

Explico contando sobre a última vez: resolvi assistir ao filme “Os 7 de Chicago”, que conta sobre o famoso julgamento de um grupo de ativistas nos EUA, contra a guerra do Vietnã, presos e acusados de conspiração e incitação à violência. Não amei o filme (impliquei sobretudo com a trilha sonora. Detesto quando a trilha me adianta uma emoção, fico constrangida até.) Alerta de spoiler! No final do filme, uma breve legenda conta o que aconteceu com cada um dos manifestantes. Lá pelas tantas aparece que Abbie Hoffman, o personagem com quem mais tinha simpatizado (interpretado por Sasha Cohen) cometeu suícidio. Eu poderia ter entrado na Wikipédia por mil motivos, e depois até entrei para pesquisar mais coisas, mas de cara, queria saber o aniversário de Abbie Hoffman, e lá estava: 30 de novembro, o dia em que estava vendo o próprio filme. Hoje, o dia em que escrevo esse texto. E daí?, você, que me lê de maneira cética, se pergunta. Não tenho nada muito desenvolvido ainda. Mas acredito em sacolejos anímicos. Já você que se arrepiou um tiquinho, continue lendo para um pouco mais.

O filme com que mais chorei na minha vida foi “Doze Anos de Escravidão”. Antes tinha sido “Dançando no Escuro”, e eu jurei a mim mesma que não me colocaria mais nessa situação de permitir que o cinema me machucasse tanto. Mas, tola que sou, afetada que nasci, em um segundo me entrego e fico emaranhada em cenas, personagens, e não há divisão de ficção ou não. Não posso evitar mais. O fortíssimo filme é baseado no livro autobiográfico “Twelve Years a Slave”, de Solomon Northup. Atuação esplêndida de Chiwetel Ejiofo, que logo fui pesquisar o aniversário, porque eu gosto, porque estudo astrologia, porque pessoas têm suas curiosidades e essa pra mim é uma. Dez de julho. Corri pra ver o aniversário do verdadeiro homem, da pessoa que viveu tudo aquilo. E não é que Solomon Northup também nasceu num 10 de julho? Imagino que o ator soubesse, não sei, chuto. Imagino que isso não passe de maneira completamente despercebida. “Ah… só uma coincidência”. Nesse caso, eu me arregalo.

Acontece muito com quem eu amo: a conexão fora dos aparelhos. Não é adivinhação ou suposição, é confirmação de um elo maior

Corta para uns anos depois, descubro que há um documentário sobre o icônico papel de Jim Carrey como Andy Kaufman em “Man On The Moon”, filme que amei, pois amo o humor delirante e demente de Kaufman e já dei boas gargalhadas com Carrey (e depois chorei e me impressionei também. Bons atores de comédia sabem fazer grande dramas. Já o contrário nem sempre. Curiosa é a vida). Pois. É sabido que Carrey virou Kaufman. Se transformou. Até assustou a família, tamanha semelhança. Lá fui eu checar dados, ver mapa astral de cada um (um beijo pro astro.com). Mais um miniespanto: ambos nasceram dia 17 de janeiro. Estatisticamente não há de ser nada, mas eu me bolo.

Uma vez terminei de ler o espantoso livro “A Louca da Casa”, da escritora portuguesa Rosa Montero, no dia 3 de janeiro. Acho que era 2010 ou 11. Fiquei num furor só. Entrei na internet, curti a página dela, mandei mensagem elogiando, aquela coisa. De repente começo a ver umas mensagens de parabéns para ela na página. Aquele dia era o aniversário dela. Pensei tanto nela naquele início de mês, de ano, e ela estava dando uma volta no sol. Não há de ser nada, mas me emociona.

Teve a vez também em que comprei “Meu Pé de Laranja Lima”, o livro que mais me fez chorar na infância; passei anos sem poder tocar numa página. Mas aí perdida num sebo, vi a capa e pensei que estava na hora de um reencontro com esse fantasma camarada. Começo e me debulho já na dedicatória (porque foi para dois irmãos que desistiram de morrer antes dos 20 anos). Mais tarde, curiosa com o nascimento de José Mauro de Vasconcelos, descubro que era a própria data que eu havia comprado e lido. E chorado. 26 de fevereiro. Não esqueci porque mais tarde meu pai disse que foi a data que ele e minha mãe se conheceram. Essa data eu não sabia, engraçado. Sei o casamento, mas a data dos olhos-nos-olhos, eu não sabia.

Uma vez eu estava dentro do metrô e pensei “há muito tempo não falo com minha mãe”, e ela entrou dentro do vagão em segundos. E ela disse que estava pensando em mim. A Tijuca é grande e é um dos bairros com mais estações de metrô mas, ainda assim, uau!

Já tentei existir de outra maneira e não funcionou, portanto me tornei quem eu sou, facilitando as estruturas, as filosofias, os embates

Isso acontece muito com quem eu amo: a conexão fora dos aparelhos. Não é adivinhação ou suposição, é confirmação de um elo maior. Sem cartório ou testemunha. Apenas o corpo, cérebro e o coração. Hilária que sou, calhei de sempre me apaixonar por pessoas céticas. Não foram muitas vezes, verdade. Sou dada à longa metragem do amor. Até o talo, até o fim, até a outra vida. Maluca. Mas já tentei existir de outra maneira e não funcionou, portanto me tornei quem eu sou, facilitando as estruturas, as filosofias, os embates. Mas não por isso facilitando a psicanálise. Ah, essa nunca. Acho que me encantei na vida com pessoas diferentes talvez para equilibrar ou porque sou teimosa e quero conquistar alguém pro lado de cá. Besteira. Sei que fico feliz quando Titi se impressiona com a quantidade de coincidências que me rondam. E me procuram. Eu já nem fico à espreita. Eu já espero tomando um chá. Uma hora elas irrompem e me enlaçam e eu sinto meus pés saírem um tico do chão. Pra quem tem mania de raiz, é uma delícia.

Não deu tempo de contar que uma vez meu melhor amigo Arthur estava colocando um vinil pra tocar enquanto dizia “Sabe, amiga, se eu casasse, seria com essa música”, e eu deitada no sofá dele, olhos fechados, morgada da praia, comecei a pensar na minha música de casamento. E não é que Arthur colocou a música que eu estava pensando? “Take my Breath Away”. Às vezes falta ar e às vezes sobra. Pode ser falha na matrix ou na simulação de computador que sou (ando assustada com essa possibilidade, risos), mas gosto da coincidência, gosto do momento em que percebem, gosto do jeito que as pessoas ficam depois, gosto do que se sucede, do calor, da troca que se cria. Besteira. Bobagem. Mas também acerto. Juízo. Ocupação. Desejo um final de ano cheio de coincidências para você que me lê. Um beijo.

Letrux é atriz, escritora, cantora, compositora e uma força da natureza cujo trabalho é marcado por drama, humor e ousadia. Entre seus trabalhos estão o álbum “Letrux em Noite de Climão” e o livro “Zaralha”

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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